Especial Caça: Isabel Carvalhais, Nuno Melo e Álvaro Amaro criticam mundo urbano que, na tentativa de relacionar-se com o mundo rural, “faz uma apologia contra a caça e a agricultura”

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Pela atualidade das preocupações do sector, do entendimento dos oradores e o seu papel político e os compromissos assumidos, transcrevemos alguns highlights dos discursos do presidente da Câmara Municipal de Melgaço, da diretora regional do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), Sandra Sarmento; de Isabel Carvalhais, eurodeputada do Partido Socialista; Álvaro Amaro, ex-eurodeputado (até Julho de 2023) do Partido Social Democrata; e Nuno Melo, eurodeputado e presidente do CDS-PP.


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Texto publicado também na edição impressa de Abril 2024 do jornal “A Voz de Melgaço”

Melgaço acolheu, em Maio de 2023, a XI Festa Transfronteiriça de Caça, num fim de semana que distribuiu iniciativas entre a Porta de Lamas de Mouro (Melgaço) e Lobios (Galiza).

A propósito deste encontro, reuniram-se em Melgaço três eurodeputados que, na conferência “Território, Caça e Desenvolvimento Local”, deram o seu contributo na desmistificação do conceito de caça e de caçador, perceber o impacto económico que esta atividade tem no território e também de que forma pode ser importante no controlo de determinadas espécies.

Pela atualidade das preocupações do sector, do entendimento dos oradores e o seu papel político e os compromissos assumidos, transcrevemos abaixo alguns highlights dos discursos do presidente da Câmara Municipal de Melgaço, da diretora regional do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), Sandra Sarmento; de Isabel Carvalhais, eurodeputada do Partido Socialista; Álvaro Amaro, ex-eurodeputado (até Julho de 2023) do Partido Social Democrata; e Nuno Melo, eurodeputado e presidente do CDS-PP.

O rol de declarações fecha com o considerando de José Carlos Pires, da Associação Desportiva e Cultural de Caça e Pesca de Castro Laboreiro e Lamas de Mouro.

Manoel Batista, presidente da Câmara Municipal de Melgaço:

“O desenvolvimento dos nossos territórios, do ponto de vista daquilo que a agricultura está a dar, mas pode dar ainda muito mais, é o grande desafio para os territórios do país. Um grande desafio para os territórios do Alto Minho e para Melgaço é sabermos perceber aquilo que o território, na sua genuinidade, aquilo que o chão do território pode realmente trazer de economia.

O outro grande desafio é o de continuarmos a pensar o Parque Nacional Peneda-Gerês nesta simbiose absoluta entre aquilo que é desejável, que é a manutenção e até a melhoria das condições ambientais e de desenvolvimento de biodiversidade e a economia da caça enquanto economia complementar. Temos de ser ousados no que achamos que deve ser este território nos próximos 40, 50 anos, para que ele seja realmente território de economia e de qualidade ambiental”.

Isabel Carvalhais, Eurodeputada do Partido Socialista

“A ideia do mundo rural espontâneo, natural, sozinho, portanto, que se autorregenera, não existe. Quando olhamos para uma paisagem rural, naturalmente que ela tem de ter ali a natureza e o trabalho do homem. Quando vejo as pessoas encantadas com o Sistelo, que é grandioso de facto, mas a beleza daqueles socalcos, aquilo existe porque há lá pessoas.

Ter um parque Nacional Peneda Gerês sem ter intervenção, obviamente racional e ponderada do homem e de todos nós enquanto agentes, não é possível.

Nós estamos num santuário. Toda esta região em que nos encontramos é um santuário de biodiversidade e não é excessivo, não é hiperbólico dizermos que é um santuário. Ora, ao contrário de algumas abordagens, algumas narrativas contemporâneas que advogam, por exemplo que a caça é contrária a este santuário, eu diria que, precisamente quando ela é orientada pela relação de respeito pela natureza, ela não fere o santuário da biodiversidade. Pelo contrário, o objetivo último da caça é e deverá ser sempre o equilíbrio cinegético. A caça não só contribui para o reforço e diversificação da economia rural, como está de facto associada a importantes serviços cinegéticos e ecosistémicos.

Estamos cada vez mais a ter uma enorme dificuldade em passar estas mensagens positivas para todo um contexto social que foi perdendo a sua relação com o mundo rural e que, na tentativa de encontrar essa relação com o mundo rural, não sabe como a interpretar e, portanto, faz-se uma apologia contra a caça e mesmo até contra a agricultura.

A própria agricultura está associada a uma agrobiodiversidade que desaparece se a agricultura lá não estiver. É claro que aparecerão outras espécies, a natureza arranja sempre uma forma de se regenerar, mas não serão as espécies nem os equilíbrios ecosistémicos que neste momento temos, graças ao cultivo das terras”.

As condições de um cidadão que vive no mundo rural têm de ser tão boas como as condições das pessoas que vivem no mundo urbano. Porque há muitas vezes esta ideia de quem vive no mundo rural está habituado ao sacrifício. Como se a pessoa que vive no mundo rural, se passar a ter acesso à banda larga, se passar a ter melhores acessibilidades, isso então já não é muito rural. Como se disséssemos que para ser mundo rural tem de ser sofrido, é a beleza da coisa. Mas é a beleza da coisa para quem usufrui dela aos fins-de-semana, e o mundo rural não pode ser a geografia do lazer do mundo urbano.

Tantas vezes, em contextos políticos e académicos, enfim, falamos das geopolíticas, geopolítica alimentar, por exemplo, das movimentações e agora a expansão da China e esquecemos a geopolítica do mundo rural, da importância do mundo rural para a União Europeia. Ao fim de cinco anos, quando acabam os apoios financeiros europeus – quando eles existem, porque também são morosos e porque há uma cultura administrativa que tem de ser ultrapassada – as pessoas vão embora, não têm razões para se fixar o território. Isso não pode acontecer porque o mundo rural não existe natural, existe na relação profunda e de respeito entre a natureza e as pessoas”.

Álvaro Amaro (ex-) Eurodeputado do PSD:

É preciso dizermos ao Governo da República em Portugal, sejam eles de esquerda, do centro, ou da direita, que tenha a coragem política de fazer – e não apenas de dizer – de fazer a importância do mundo rural, e para isso é preciso pagar! Ou então, no mínimo, fazer com que aqueles que optam por desenvolver o país no mundo rural não paguem tanto.

Somos um país a velocidades diferentes, em que os problemas na sua essência podem ser os mesmos, mas têm de ter soluções diferentes. Enquanto não houver esta coragem política, o país bater-se-á, desigual, injusto e a sofrer com isso dois terços do território português, o chamado interior.

Neste momento, se perguntarem a qualquer um dos deputados do Parlamento Europeu quantos são os europeus que vivem no mundo rural da Europa, a Europa não quer saber desse conceito. A Europa não é capaz, ou ainda não foi capaz, de definir um conceito do que é a Europa rural. Coisa que o nosso país fez. Mal ou bem, hoje está definido no Diário da República o que é o interior do país. Pode-se questionar, mas está definido. E se está definido, porque é que depois não há coragem política para se olhar para esses dois terços do território?

Mais grave: Se as Nações Unidas tiverem a razão, e muito infelizmente acho que vão ter, em 2050, Portugal terá sete milhões e meio de pessoas. E onde é que vão estar? Em Lisboa, no Porto, em Braga, em Coimbra, em Faro.

Nos anos 90 [séc.20] pedi à Direção-Geral das Florestas para fazer um estudo aproximado da realidade sobre quanto é que valia economicamente a caça em Portugal, e o resultado do estudo foi este: 32 milhões de contos. O que é que o que é que era isto? As despesas dos transportes, gasóleo, alojamentos, licenças, missões, os cães, as taxas, vestuário… Para causarmos um efeito de choque à época, sabem qual era o valor das exportações do Vinho do Porto? 30 milhões de contos. É claro que estamos a comparar alhos com bugalhos, isto não quer dizer que a caça valesse mais do que o Vinho do Porto, mas era só para termos esta ideia.

Na época havia em Portugal 350 mil caçadores, ou portadores de licença, neste momento há 105 ou 110 mil. Para verem que, em 25 anos, os caçadores diminuíram muito mais de metade. Se a regra se mantiver, daqui a 25 anos não há caça em Portugal”.

Nuno Melo, Eurodeputado e Presidente do CDS-PP:

“O grande drama da caça e do mundo rural é que a maior parte, a esmagadora maioria dos deputados da Assembleia da República são do mundo urbano. Alguns que são do mundo rural têm até vergonha do mundo rural e, em conjunto, não têm a mínima noção de que quando legislam têm que legislar para o território inteiro, do Norte a Sul, do litoral ao interior, dos Açores e da Madeira.

O drama é que se sentem tentados a legislar em função do voto e legislar a favor da caça não dá votos. As pessoas que querem ser eleitas vão atrás do politicamente correto, exceção feita a estes debates onde fala de caça.

Antigamente a opinião era livre, nós se quiséssemos concordávamos ou discordávamos dela. Atualmente não. As dinâmicas dos nossos tempos são assim: Há alguém, muitas vezes minorias que criam as narrativas do politicamente correto, que gostavam que o mundo fosse assim. Depois como acabam por dominar alguns circuitos da comunicação, dizem através desses circuitos o que é aceitável, o que deve ser dito. Se alguém se atreve a discordar delas, mesmo sendo minoritárias, mas porque dominam as narrativas da comunicação, levam e levam muito. Isso faz com que depois o poder político muitas vezes não diga o que pensa. Atualmente querem dizer aquilo que eu posso pensar, aquilo que eu posso dizer, aquilo que eu posso fazer, aquilo que eu posso comer e agora, até onde é que eu posso fumar e comprar cigarros.

O que está em causa não é a caça, é todo um modo de vida. Para uns pode ter uma perspetiva mais ou menos alimentar, lúdica, outros que tiram dela prazer, mas a caça é uma manifestação do mundo rural. Há cães de caça por causa da caça, não há cães de caça como aqueles pastores que existem onde é suposto haver gado, mas agora é bonito ter cães pastores no apartamento em Lisboa, com uma almofada. Os bichos sofrem.

Que sentido faz que o agricultor de atualmente, atrás do politicamente correto, seja capaz de semear um quintal, um hectare ou 10 hectares e depois, passados dois os três dias, tem os campos todos revolvidos porque o javali não é caçado? Preserva-se o javali, morrem as pessoas, é isto que se quer fazer atualmente em Portugal e na Europa?

Sem caça e sem aquicultura não há ordenamento do território, não há ocupação do espaço, há florestas que ardem muito mais e é desse ponto de vista que todo um país inteiro fica em perda.

Esta não é uma conversa do campo contra a cidade, porque infelizmente há muito pensamento urbano dentro do campo, muitas das pessoas que caçam vivem na cidade e muitas das pessoas que querem acabar com a caça também já vivem em algumas das nossas aldeias”.

Sandra Sarmento, Diretora Regional do ICNF:

“[O PNPG] é de facto um parque que contribui naturalmente para a valorização deste território, onde temos uma base não só agrícola, mas também silvícola e pastoril. Agora também temos uma presença muito forte de turismo de natureza. A valorização deste território passa, em primeiro lugar, pela preservação e pela conservação do seu valiosíssimo património, mas para isso precisamos, também de fixar as pessoas que cá vivem.

A gestão cinegética também pode ser uma oportunidade para este território. Não podemos esquecer que a intervenção e a gestão de um território com estas particularidades depende de um conjunto de circunstâncias. É importante que consigamos garantir a presença das pessoas no território. Todos temos consciência de que as condições de despovoamento que vivemos no interior também afetam as áreas protegidas, por isso é preciso um setor muito grande de políticas de integração.

O Parque Nacional Peneda-Gerês tem áreas de ambiente natural e de ambiente rural. Nas áreas de ambiente rural, é permitida a atividade cinegética. Temos, dentro da área do Parque, 20 zonas de caça associativa, sendo 13 dentro e 7 parcialmente dentro da área do Parque. Estamos a falar de um território de aproximadamente 41% da área do PNPG onde é permitido atividade cinegética.

“Para proteger e salvaguardarmos o património tem de haver regras, que nem sempre estão compreendidas, mas são fundamentais para esses equilíbrios e para conseguir dar as respostas que o território necessita. Nem tudo é permitido, mas também nem tudo é interdito. Há aqui um exercício de equilíbrios que tem sido feito de forma muito responsável ao longo do tempo, mas é fundamental que tenham a pretensão de que, para conservar o património que temos, tanto nos orgulha, tem de haver regras para garantir a sua efetiva proteção.

O javali não é uma espécie protegida, é uma espécie cinegética nas zonas de caça, nos territórios ordenados onde está prevista a sua atividade cinegética. Nas zonas de caça associativas, em áreas de ambiente rural, desde que o plano de exploração o preveja, é permitida essa atividade. Temos também previsto, porque em alguns territórios se entendeu que havia excesso, um edital que permite o que nós chamamos de correção de densidades, ou seja, é permitida para além da atividade cinegética, a correção das densidades que podem causar prejuízos na agricultura ou noutras atividades. Mas, efetivamente, a gestão da zona de caça associativa é da responsabilidade da entidade gestora e que tem de assumir todas as responsabilidades associadas.

Avisos para associações de caça

“Em 2021, abriu o aviso de 4 milhões, para que as organizações do sector se pudessem candidatar. Infelizmente, os 4 milhões não foram gastos porque muitas organizações não concorreram. Por isso dava nota às entidades gestoras para que estejam atentas, os avisos são fundamentais para financiar as entidades de gestão cinegética, é importante que estejam atentas e possam usufruir desses avisos”.

Lobo

“O lobo é uma espécie protegida, tem uma legislação própria e nós desenvolvemos um conjunto de esforços para garantir a preservação da espécie. Passa desde logo pelo pagamento dos prejuízos causados. Pagamos mais de 100 mil euros pelos prejuízos causados pelos lobos. Neste momento [em Maio 2023], todos os prejuízos estão em dia. As comunicações feitas são imediatamente vistoriadas no terreno e validadas para o pagamento. Fizemos um esforço de pôr em dia esse tipo de pagamentos, existiam alguns ainda atrasados, para garantir que damos as respostas corretas ao território”.

José Carlos Pires, membro da Direcção da Associação Desportiva e Cultural de Caça e Pesca de Castro Laboreiro e Lamas de Mouro:

“Desde 1971, em que foi fundado o PNPG, sempre se levou em consideração que é um parque habitado por homens, e essa parte também precisa ser respeitada, porque tudo o que temos atualmente provém da nossa herança cultural que os nossos antepassados nos deixaram”.

Avisos

“É preciso divulgar para depois exigir que as associações façam alguma coisa para ir buscar esses apoios. O que se passou não foi só em Castro Laboreiro, foi na maior parte das associações, a informação não chega às pessoas de uma forma prática. Eu acredito que o ICNF tenha boa vontade, mas é preciso passar informação, não basta só incentivar, é preciso dar a conhecer que há esta possibilidade. Sei, por colegas meus, que quem não for associado a uma federação de caça a nível nacional, não lhe chega esta informação.

A arquiteta Sandra Sarmento é impecável, muito humana, ouve as pessoas, mas depois a mensagem que passa dos superiores é que a caça é um elemento importante, mas não querem ter chatices com o mundo urbano, que ataca de uma forma descompensada, sem conhecimento. Então, para não andarem sempre a sofrer pressões, preferem manter isto no é aceitável, mas não se fala, é muito importante, mas não se lhe dá importância. E andamos neste equilíbrio, embora, a arquiteta têm feito um esforço muito grande no nível das conversações. Mas tudo isto anda muito em prol das ideias de quem gere dentro de um escritório”.

Compensações por prejuízos do lobo

É sempre a mesma narrativa, que vai passando mas está a ficar cada vez mais oca, porque os agricultores tem cada vez mais dificuldade em receber, e aquilo que é contratualizado para receber é cada vez menos. Esta narrativa está a fazer com que as pessoas continuem a considerar o lobo o inimigo o número um, porque daí depende a subsistência de algumas pessoas. O que está a acontecer, na relação ao lobo, aconteceu a vida toda.

A demora [no pagamento de prejuízos] é de um ano, às vezes três e quando o dinheiro vem, é tarde e pouco. Quem quiser fazer algo em prol do lobo e quem o defende com tanta assertividade, tem de primeiro sentar-se com os agricultores e resolver os problemas e a partir daí sim, sempre que haja um acidente, ser julgado, mas não fazer julgamentos do agricultor em praça pública, quando simplesmente está a defender-se”.


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