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Inaugurado em meados de abril, o “Contrabando” já é um dos pontos de interesse da Praça da República, no centro da vila de Melgaço.
“Contrabando” é um wine bar que não perde o sentido de pertença e procura agradar tanto a portugueses como a galegos raianos, com vinhos, petiscos e outros sabores que dizem muito a um território com tantas semelhanças — e onde a cooperação sempre floresceu, até mesmo nos tempos em que era proibida.
É contrabando de sabores e de conhecimentos, que vai ganhando forma e cativando diversos públicos ao longo dos diferentes momentos do dia: é a porta aberta para os taxistas que tomam café antes de mais uma corrida; o café da pausa de almoço dos que trabalham no banco ou na farmácia; e o ponto de encontro dos que apreciam uma tábua de produtos locais acompanhada de um dos muitos vinhos a copo, ao final da tarde ou mesmo já noite dentro. Muitas vezes, é o último estabelecimento a encerrar na praça, mesmo quando a iluminação pública é titubeante.
Quando a noite se instala de vez e algumas luzes públicas daquela praça estão fundidas, são as luzes do balcão, da garrafeira e dos candeeiros — carregados por USB mas com design vintage — que acolhem quem passa e quer parar para um petisco ou provar um vinho diferente, dentro ou fora de portas (na esplanada), mesmo depois das 22h.
Há uma mística na luz ténue, como aquela com que os contrabandistas desta zona lidavam frequentemente, que se pretende evocar com esta proposta.
Catarina Malheiro é a gerente deste bar que se afirma com espólio e bagagem distintos na restauração melgacense.
“Melgaço, sendo uma terra de vinhos, de Alvarinho, não tinha nenhum espaço onde realmente se pudessem provar”, começa por sublinhar a responsável, que explora o conceito de wine bar e loja de produtos regionais.
“Temos o posto de turismo em frente, mas muitas pessoas diziam que, ao fim de semana, os turistas queriam levar alguma lembrança de Melgaço e não tinham onde. Não existe nada aberto ao fim de semana aqui em Melgaço, ligado ao turismo”, reforça.
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Catarina Malheiro representa “um grupo de pessoas” que quis lançar o conceito e que a escolheu — uma apreciadora e conhecedora de vinhos locais e internacionais — para os representar. E fá-lo com o mundo engarrafado: há vinhos da Austrália, Nova Zelândia, Chile, Itália, Espanha e, claro, dos vários cantos de Portugal: Douro, Tejo, Alentejo, Bairrada e também da Madeira.
“Trouxemos produtos que normalmente não são fáceis de encontrar em Melgaço”, nota a responsável, que continua a sua busca por produtos de nicho, de ambos os lados da fronteira.
“O chocolate, por acaso, é uma das coisas que andamos a tentar encontrar, porque ainda existe a fábrica daquele chocolate que se ia buscar a Espanha. Temos a gasosa, que se bebia antigamente e que agora poucas pessoas conhecem. Procuramos trazer essas memórias e resgatar essa nostalgia”, acrescenta.
Este conceito — um género de “A Vida Portuguesa”, de Catarina Portas, mas com produtos da memória de portugueses e galegos — combina tradição, cosmopolitismo e um toque de ‘contrabando moderno’.
Estas diferenças podem não agradar a todos, especialmente ao cliente de café comum, mas Catarina acredita que vale a pena premiar a qualidade.
Em termos de bebidas, não há os típicos refrigerantes — com exceção da Coca-Cola, pela carga histórica — e quanto a águas com gás, só se serve a de Melgaço. “Não temos Ice Teas, Fantas nem 7Up. Tentamos marcar a diferença. Em cerveja, temos uma marca espanhola e a cerveja de Alvarinho.”
Até os destilados têm curadoria própria. “Temos aguardente de Alvarinho; gin de Monção, que é de Alvarinho, e um espanhol; uma vodka — de uma marca de Melgaço — também de Alvarinho; e nos cafés, servimos o tradicional e o Mazagran, que poucos conhecem. É um café de verão, com gelo, um toque de rum — o antigo café com cheirinho, só que com gelo — limão e uma folhinha de hortelã.”

E há sempre algo — uma tapa com o vinho ou um doce para acompanhar o café ou a meia de leite — que é oferta da casa. Porque os bons produtos querem-se harmonizados à altura.
“Em relação aos vinhos e às cervejas, por exemplo, mandámos fazer uma broa específica que só existe aqui: uma broa com chouriça caseira, feita pelo João, da Aveleira. É servida como tapa. Todos os dias é fresca.
Nas tábuas, usamos exclusivamente produtos de Melgaço. O presunto não é de supermercado, nem o salpicão, nem o queijo. Os queijos vêm da Verónica [Prados de Melgaço]; nos fumeiros, alternamos entre o João da Aveleira [Aveleira – Fumeiro Tradicional] e o Júlio de Cristóval [co-proprietário da marca Saberes da Tradição, com Cristina Gonçalves]. Temos ainda uma tábua estrangeira, com produtos do outro lado da fronteira.”
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Uma drogaria com chão que tem história
O renascido espaço “Contrabando” não tinha este aspeto, nem mesmo antes de encerrar há mais de uma década.
Tintas, materiais e engenhos que despertavam curiosidade nas crianças tornavam aquela drogaria num negócio em declínio, até que acabou por fechar. Mas ainda há vestígios dessa história: os azulejos de múltiplos padrões que compõem o piso da loja são retalhos do passado, reaproveitados e hoje em voga — escondidos durante décadas atrás de um balcão.
“A loja era muito pequenina, tinha o balcão e atrás era tudo armazém. As pessoas ficam muito surpreendidas quando entram e veem um espaço grande. Este chão é histórico, da altura da construção do edifício. Tinha latas de tinta no chão — e ainda se veem as marcas dessas latas”, mostra Catarina Malheiro, que fez questão de manter esse testemunho do passado: um chão gasto, com os círculos deixados pelos baldes de tinta, lembrando um tempo de comércio e abundância que, de certa forma, o contrabando também trouxe a esta comunidade.
Leia o texto na íntegra na edição impressa de Junho do jornal "A Voz de Melgaço"