O futuro do Alvarinho nasce no encontro entre gerações


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Texto de Carolina Osório

A sub-região de Monção e Melgaço sempre foi sinónimo de excelência quando se fala em Alvarinho. Hoje, porém, o seu futuro depende da capacidade de atrair e valorizar novas gerações de viticultores e enólogos que assegurem a continuidade e a renovação deste património.

Nos últimos anos, tem-se assistido a uma mudança geracional no setor do Vinho Verde, ainda que lenta. A análise da idade média dos produtores (CVRVV) revela um cenário desafiante: a maior parte dos produtores tem mais de 50 anos, e os jovens que decidem apostar no setor ainda são poucos. Esse dado realça a importância de criar condições para que a profissão seja viável, desde logo garantindo um preço justo e estável para a uva e por tanto para o vinho, que permita a sustentabilidade a longo prazo.

Novos enólogos, novos caminhos para o Alvarinho

Manuel Cerdeira, de 23 anos, seguindo os passos do pai e representando uma nova geração de enólogos, licenciou-se em Viticultura e Enologia em 2024, no Plumpton College, no Reino Unido. Durante a sua formação, desenvolveu uma visão internacional do setor, reforçada por experiências em regiões como o Alentejo, o Chile e, já nos próprios Vinhos Verdes, em Melgaço.

Hoje, Manuel traz para a VINEVINU, o projeto que fundou na vindima 2024 em conjunto com o seu pai, Luís Cerdeira, uma leitura fresca e contemporânea, que se cruza com o legado familiar. Na prática enológica, essa visão traduz-se em métodos que procuram reinventar a expressão do Alvarinho. Um dos mais emblemáticos é o conceito de “VINEVINU As Voltas”, em que, durante a fermentação, o mosto é movimentado várias vezes entre depósitos de inox e madeira. O resultado é um vinho mais complexo e estruturado, que mantém a frescura, mas ganha novas camadas de interpretação. Este método é uma das estratégias que a VINEVINU aplica para explorar a versatilidade do Alvarinho, tanto nas vinhas do mar como nas da montanha, na Região dos Vinhos Verdes.

Mas a preocupação do Manuel vai para além da adega: reconhece que o grande desafio do setor do vinho é conseguir atrair as novas gerações de consumidores, num mercado mundial em transformação. Vê na sua geração a chave para essa mudança, pois acredita que a comunicação feita por jovens enólogos tem um impacto mais direto.

“Sinto que quando os mais jovens ouvem pessoas da sua idade a falar de vinho, fazem uma ligação mais direta e genuína. Não podemos esperar atrair públicos jovens quando a própria indústria não lhes dá voz”, afirma.

Tal como Manuel, também outros jovens enólogos da sub-região de Monção e Melgaço têm procurado afirmar uma identidade própria para o Alvarinho.

É o caso de Luís Moreira, de 31 anos, que em 2022 lançou o projeto Bagagem. Para Luís, o desafio passa por conquistar espaço num mercado já dominado por grandes produtores: “O maior desafio é conseguir afirmar-se num mercado competitivo, onde já existem produtores com longa tradição. É necessário conquistar a confiança do consumidor e acompanhar um consumo que está a mudar”. A sua abordagem mostra que a nova geração de enólogos partilha uma mesma missão: inovar sem perder a autenticidade, dando novas vozes e novos caminhos ao Alvarinho.

Gerações jovens que dão voz à viticultura

Se na adega os jovens enólogos procuram reinventar o Alvarinho, na vinha o desafio é igualmente exigente. A viticultura continua a ser a base de toda a região dos Vinhos Verdes e o equilíbrio económico do setor depende, em grande parte, da valorização da uva. Numa região em que a maior parte dos produtores se situa nas faixas etárias mais altas, começam a surgir exemplos de jovens que encontram no campo não apenas uma herança familiar, mas também uma oportunidade de vida e de futuro.

O percurso de Diogo Braga, de 21 anos, é um exemplo da forma como a viticultura continua a atrair jovens para o setor agrícola. Licenciado em Engenharia Agronómica na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, integra atualmente a equipa da VINEVINU, onde assume responsabilidades na área da viticultura.

A paixão pela vinha nasceu cedo, inspirada pelo avô Joaquim, com quem aprendeu os trabalhos do campo e a dedicação à produção de vinho: “Foi com o meu avô que descobri que o meu futuro podia estar no campo”.

Mesmo no tempo livre, mantém-se ligado à terra. Em sua casa cultiva uma horta e árvores frutais, cria galinhas, coelhos e cabras, e continua a produzir vinho caseiro como fazia o seu avô. Esta ligação prática à agricultura alia-se hoje a uma visão crítica e a um desejo de conhecimento que o levam a experimentar novas formas de cuidar da vinha e do vinho.

Na VINEVINU encontrou também a oportunidade de aperfeiçoar as práticas aprendidas em família e na universidade. Em 2025, o Diogo vinificará a colheita das vinhas da sua família nas instalações da VINEVINU. Esta iniciativa integra o programa “VINEVINU & Friends”, criado para apoiar pequenos produtores a desenvolver os seus próprios projetos e a valorizar a autenticidade do território, através de assessoria técnica e logística.

Se o percurso de Diogo mostra como a viticultura pode conquistar quem está a dar os primeiros passos, há também exemplos de jovens que já têm um caminho mais longo ligado à vinha.

É o caso de Rafael Fernandes, viticultor em Melgaço com 34 anos, cujo projeto ilustra bem os desafios e as oportunidades que marcam a entrada de novas gerações no setor. Decidiu plantar a sua primeira vinha aos 20 anos, quando procurava uma alternativa. “Fiquei sem trabalho e para ocupar o meu tempo livre pensei em plantar uma vinha. Comecei com 2.500 m² e agora tenho 1 hectare”.

O seu objetivo é crescer até aos dois hectares, ponto em que acredita ser possível consolidar a rentabilidade do projeto:

“A partir do 1 ha é rentável, já dá para compensar as contas dos produtos para a vinha, mas sem considerar o custo do meu tempo, por agora considero isto como investimento”.

A sua experiência mostra como a viticultura continua a ser vivida em comunidade, com vindimas feitas entre amigos e familiares: “Aqui entre nós ainda funciona como antigamente, em que nos ajudamos uns aos outros durante a vindima”. Ainda assim, Rafael aposta em métodos mais modernos dos que usava o seu pai, para ser mais eficiente.

O seu percurso reflete a realidade de muitos jovens da região: a viticultura surge como atividade paralela, alimentada pela paixão e pela ligação à terra, mas essa dedicação só se tornará viável no futuro se a uva de Monção e Melgaço continuar a ser valorizada. A sustentabilidade da viticultura nesta sub-região depende, em grande parte, de que os produtores que compram a uva continuem a reconhecer e remunerar justamente o trabalho destes pequenos viticultores.

Herança que abre caminho ao futuro

Se as novas gerações assumem hoje o desafio de renovar a viticultura e a enologia, é graças ao trabalho, à paixão e à persistência daqueles que vieram antes. Em Monção e Melgaço, esse fio de ligação tem em Luís Cerdeira um dos seus rostos mais marcantes. Com mais de 30 anos de experiência, foi uma figura central na afirmação do Alvarinho como casta de excelência, contribuindo para dar-lhe reconhecimento a nível nacional e internacional.

A história da família começa em 1974, quando João Cerdeira, pai de Luís e fundador do Soalheiro, plantou com a ajuda dos seus pais e da sua esposa, Palmira Cerdeira, a primeira vinha contínua de Alvarinho em Melgaço, um gesto pioneiro que marcou o futuro da sub-região. Vinte anos depois, em 1994, Luís concluiu a sua formação em Enologia na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e realizou a sua primeira vindima ao lado do pai, na adega familiar. Em 2024 encerra este ciclo no projeto iniciado pelo pai, para abrir caminho a uma nova etapa com o seu filho.

É essa experiência que agora se cruza com a visão do seu filho, Manuel, na VINEVINU — um projeto singular porque não nasceu de uma passagem de testemunho, mas sim da criação conjunta de pai e filho, desde a primeira vindima. Fundada em agosto de 2024, a VINEVINU celebra este ano o seu primeiro aniversário com já 4 referências de vinhos, 3 espumantes prestes a serem lançados e presença em mais de 15 países.

Mais do que números, a VINEVINU mostra que o futuro do Alvarinho se escreve no encontro entre gerações. É nesse diálogo que tradição e inovação se equilibram e se complementam. Mas para que esta história continue, é essencial que a região abra espaço às novas vozes: ouvir os mais jovens, trabalhar em conjunto com eles, dar-lhes liberdade para experimentar e inovar. Não se trata de impor-lhes caminhos já traçados, mas de lhes permitir criar os seus próprios, porque é aí que reside a verdadeira força da próxima geração do Alvarinho e dos Vinhos Verdes.

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