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A propósito de algumas comemorações dos respetivos quincentenários, no Norte e Centro do país, as Misericórdias baixaram aos arquivos para procurar o Compromisso – um género de Alvará assinado pelo Rei ou pelo Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, como aconteceu nas primeiras décadas de 1500 – para validar as datas e consonantes comemorações.
A norte, Melgaço, Arcos de Valdevez, e Ponte de Lima, entre outras, estão a fazer caminho, mas no centro e sul do país também há trabalho substancial feito neste sentido, como ficou patente nas intervenções de alguns dos oradores do congresso ‘Os Arquivos das Misericórdias: da memória das instituições e dos indivíduos à história das comunidades’, realizado em Ponte de Lima em dezembro de 2024
Os investigadores porta-estandarte de referência nacional, como é o caso de Maria Antónia Lopes ou de Maria Marta Lobo, e alguns de referência mais local, nomeadamente, o limiano António Matos Reis, o Major Pereira de Castro em Valença do Minho ou ainda, mais recentemente, o investigador melgacense Valter Alves, que traçou um retrato essencial da Santa Casa da Misericórdia de Melgaço desde 1517 até 2022; foram aguçando a curiosidade das Misericórdias em descobrir o que guardavam as suas caves.
Ao longo das últimas duas décadas, foram sendo resgatados da bruma exemplares únicos, Compromissos e outros documentos, assim como arte sacra, e finalmente trazidos à luz e às mesas de restauro para que a história de cada uma das Misericórdias fosse sendo conhecida e trazer novos dados às histórias da História de Portugal.
Em Ponte de Lima, Miguel Ayres Tovar assume há cerca de um ano a descrição do arquivo da Misericórdia. Reconhece o “trabalho prévio, importantíssimo, de valorização do arquivo” feito pela Prof. Dra. Marta Lobo e pelo trabalho constante da monografia institucional feita pelo Dr. António Matos Reis (publicada em 1997), mas admite que a catalogação e uma descrição sistemática do arquivo – a ser disponibilizado online – poderá coroar com ouro toda a riqueza histórica dos documentos, tornando-os acessíveis aos historiadores de todo o mundo.
A referência ao acesso mundial dos documentos não se refere apenas à globalidade do recurso online, mas ao eventual interesse que o arquivo da Misericórdia de Ponte de Lima possa ter ‘do outro lado do mar’ e em lugares distantes, do Brasil à Índia, como explica Miguel Tovar.
“Temos material extraordinário que ilumina a história da relação entre o Minho e o Brasil. Imensos beneméritos, desde o século XVII, que fizeram fortuna no Brasil, foram influentes na colonização brasileira; no século XIX o brasileiro de torna-viagem, que é uma figura típica do Minho, um homem endinheirado que regressa, que é benemérito. Este arquivo pode e deve interessar também a muitos investigadores do outro lado do Atlântico, para as suas teses de doutoramento. Será muito difícil, para o investigador que está no Rio de Janeiro ou em São Paulo, vir cá consultar, fisicamente, os documentos. Disponibilizando-os online, estamos a potenciar o encontro com documentação que é muito importante”, frisou o arquivista.
Mas nem só para as américas aponta o arquivo: “Esta Misericórdia também tem, sobretudo nos primórdios, século XVI, princípio de XVII, uma relação forte com o Oriente, com as praças da colonização portuguesa da Índia, portanto, também é uma área que merece ser explorada. São uns horizontes muito remotos, aliás, desde o século XVI, a Misericórdia começou a receber legados de gente do Vale do Lima que morria em Macau, em Luanda, na Índia… Há realmente histórias, até um pouco imprevistas, que mostram que, sendo uma instituição de implantação local, tem horizontes que são globais”, observou ainda.
Liliana Neves, responsável do arquivo da Santa Casa da Misericórdia de Arcos de Valdevez desde maio de 2024, assume que o trabalho de reorganização do arquivo ainda está “muito no início do processo”, mas já há boas perspectivas de abrir o espólio, inclusive ao público.
“Estamos a preparar a documentação para a abertura do novo arquivo, novas instalações onde o público poderá ter acesso à documentação. Os depósitos não estão acessíveis ao público, mas existe um inventário com toda a documentação, alguma descrição do que se encontra nessa documentação para que qualquer pessoa possa chegar ao arquivo, consultar e pedir o documento que lhe interessar”, explica.
O trabalho de Liliana Neves, que não é estranha aos arquivos das Misericórdias, onde já ‘mergulhou’ a propósito da tese de doutoramento sobre o apoio aos caminhantes prestado pelas Misericórdias, intitulada “Caminhos que se cruzam. A presença de peregrinos e viajantes no Norte de Portugal: as Misericórdias (séculos XVII e XVIII)” – que recebeu o Prémio de Investigação da Cátedra sobre o Caminho de Santiago e as Peregrinações, atribuída pela Agência Galega de Turismo, a Catedral de Santiago e a Universidade de Santiago de Compostela (USC) – vem organizar algum do trabalho iniciado por outros investigadores.
“O arquivo da Santa Casa, que estava na Casa do Consistório, tem vindo a ser trabalhado por alguns investigadores, como a Dra. Lúcia Afonso e a Dra. Odete Ramos, no entanto, não estava aberto ao público, não tinha uma estrutura apropriada para consulta pública e não existe um inventário para que as pessoas consigam saber o que está lá dentro”, notou.
O trabalho que agora lhe cabe é o de atribuir cotas, fazer uma descrição do arquivo para “garantir que qualquer pessoa consiga encontrar aquilo que pretende dentro do arquivo”.
“Neste momento estamos a fazer uma descrição que poderá ser mais minuciosa, ajudando os investigadores a localizar. A Santa Casa [de Arcos de Valdevez] fez um investimento considerável para criar todo um espaço com todas as condições adequadas, estantes compactas e salas de consulta, para que a própria Santa Casa continue a ter a tutela do seu arquivo e o mantenha aberto ao publico” explica a arquivista e coordenadora da Divisão Patrimonial da Santa Casa da Misericórdia de Arcos de Valdevez.