Dafonte, o artesão de Bande que coze peças de barro com excrementos de ovelha e cria peças únicas da tradição galaico-portuguesa

Imagem do avatar


Publicidade

Adolfo Fernández da Fonte (ou Dafonte, que assina como artista), funcionário da Administração de Justiça em Ourense, natural de O Baño (Bande, na Galiza) não se diz artesão, embora trabalhe a arte do barro de forma diferenciada e com um talento que naturalmente o colocaria aí.

Chegou até Castro Laboreiro por amizade com Américo Rodrigues, castrejo, criador e promotor da continuidade da raça, através da Associação Portuguesa do Cão de Castro Laboreiro, com quem tinha conversas sobre a dinâmica da raça e a melhor forma de premiar quem a preserva.

Os melgacenses mais atentos ao programa de exposições da Casa da Cultura de Melgaço recordar-se-ão de ter visto a exposição ‘Ofícios e tradicións populares da Galiza’, em finais de 2016, com peças de Dafonte, únicas e que já tem percorrido mais de três dezenas de galerias em Espanha e Portugal.

Um dia idealizou alguns troféus, mas o momento, o contexto e depois a pandemia, atrasaram o plano para um lote de troféus especiais. Só agora, na edição de 2024 do Concurso Tradicional do Cão de Castro Laboreiro, o juiz Salvador Janeiro, a propósito dos mais de 40 anos de dedicação à raça enquanto juiz e entusiasta, a peça exclusiva criada pelo artesão da Galiza viu consagrada o seu valor, ao ser oferecida como gesto de reconhecimento.

E o que é que torna as peças de Dafonte tão exclusivas, de figurino e tonalidades tão únicas? Excremento de cabra e ovelha. Mas não na composição, adiante-se. O artesão explica melhor.


“Pensei em comprar um forno elétrico [para cozer o barro, que atingem temperaturas de 1000 graus celsius], mas eram muito caros, consumiam muito e eu, como é apenas um hobby, não investi esse dinheiro. Depois, pensei: Há milhares de anos, quando se começou a cozer o barro, que se inventou ou se descobriu a forma de o fazer, de alguma maneira tivemos que o fazer, não? Comecei a investigar por aí, falei com arqueólogos, com científicos do CSIC, o centro de investigação na Espanha, e informaram-me de que na antiga Mesopotâmia, onde está o Rio Tigre e Eufrates, encontrou-se o primeiro povoado que creem que foi onde o homem nómada ficou ali todo o ano e começou a agricultura ali. Numa escavação, encontraram um forno onde começaram a cozer a cerâmica, que se fazia com excrementos de cabra e de ovelha, que era o que tinham. Faziam as taças de barro, as cuncas, depois faziam um buraco no chão, metiam-nas ali, com os excrementos, punham lume por cima, brasas à volta e ia ardendo para baixo, durante 38 a 40 horas. A teoria estava aí, os arqueólogos informaram-se, mas havia de confirmar”, contava a este jornal.

Foi com essa base que Dafonte partiu para o exercício, e percebeu que tem tudo vem nos manuais. “Demorei mais de um ano para conseguir. Apagava-se, ou não queimava bem, ou alcançava uma alta temperatura e rebentava no barro. Outras vezes não alcançava a temperatura… Deu-me muito trabalho até que consegui descobrir que não podia ir tudo calcado, tinha de meter-lhe folhas secas, pelo meio, várias coisas, para ir ardendo”.

Improvisou um forno, coberto, para proteger das humidades e do tempo no Inverno, para garantir que coze. “Tenho de vigiar, pois cada 4 ou 5 horas, dependendo se faz muito vento ou não, pode deixar entrar mais ou menos ar”.

O método é tão específico e ancestral que diz que “só há um homem que o faz na argentina” e uma tribo na Amazónia que faz “algo parecido”.

“Este tipo de forno não consegue chegar aos mil graus. Chegará aos 900, então, não serviria, por exemplo, para um recipiente para ter água, porque fica poroso, acabaria por se partir. A tribo do Amazonas que faz assim, utiliza resina de pinheiro para tapar os poros aos recipientes”, explica. Sem pretensões para colocar peças ao ar livre ou como recipientes, Dafonte gosta do resultado, da cor e da textura que dá às peças.

Não gosta de vender, prefere expor em salas e galerias um pouco por toda a raia Galiza-Norte de Portugal. “Se vendo, alguém disfruta dela [de uma peça], se faço exposições, disfruta toda a gente. Cada escultura que faço parece-me que tem alma, que lha ponho eu. Por isso não gosto”, considera.

Bande, conhecida pelo seu balneário romano e as termas – um pouco reféns do caudal da barragem – tem também algum trabalho a fazer no sector do turismo, já que os “emigrantes que saíram para França nos anos 60, 70 (séc. XX), agora tem filhos e netos lá, já não voltam definitivamente para cá [Bande]”.

Em Dezembro deste ano (2024), Dafonte passa à ‘jubilación’, isto é, à reforma. Com o regresso a O Baño, Bande, pondera estabelecer uma “oficina”. “Tenho várias coisas na cabeça… Pode ser, pode ser”, remata.

Total
0
Shares
Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Artigo Anterior

Comédias do Minho abre concurso para a criação de textos dramatúrgicos

Artigo Seguinte

MDOC fez 10 anos e já gravou 40 documentários sobre a população local

Pode também ler