“Atropelado” pelo comboio ou pela burocracia Portugal – Espanha?

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Carlos Cardoso acusa a “falta de colaboração entre as autoridades portuguesas e espanholas” no desfecho fatal que vitimou o irmão

foto de destaque: La Voz de Galica/Xoan Carlos Gil

A notícia do jornal “La Voz de Galicia”, à altura do acidente que vitimou o melgacense José Luís Cardoso ao fim da manhã do dia 9 de Outubro, traduzia para mais um infeliz incidente nas linhas de comboio, por despiste de um transeunte:

“Un hombre ha perdido la vida esta mañana [dia 9 de outubro] al ser arrollado por un tren de mercancías que hace la ruta entre Ourense y Vigo, a la altura del municipio de Crecente. Ocurrió sobre las 11:30 cuando, al parecer el hombre irrumpió en la vía. La víctima es un ciudadano portugués de 63 años que, posiblemente por despiste, invadió la vía cuando intentaba regresar a su domicilio, en el municipio de Melgaço”, diz a notícia assinada por Mónica Torres, com o ´título “Muere en Crecente arrollado por un tren de mercancías cuando iba a recoger castañas”.

Em declarações a este jornal, Carlos Cardoso, irmão de José Luís, critica o plano de buscas operacionalizado pela Guardia Civil espanhola durante os dois dias de buscas e a inação da Guarda Nacional Republicana, a quem diz ter sido comunicado o desaparecimento ao final da manhã de domingo, dia 8 de Outubro, sem que tenha mobilizado quaisquer meios de controlo para os pontos de passagem sob o Rio Minho na zona de Cristóval.

Atribui a fatalidade à falta de meios e estratégia sobre como fazer buscas no terreno e a demora da operação. Assegura que não foi o choque do comboio de mercadorias contra José Luís que o vitimou, mas um enfarte do miocárdio, segundo a autópsia a que já teve acesso.

Carlos Cardoso traça um calendário de eventos do dia de desaparecimento e as ações de busca que fez, sozinho e acompanhado ao longo dos dois dias.

O dia começava com uma (até) benéfica saída para apanhar castanhas, em que José Luís, geralmente mais adepto de ficar em casa – “saía de boa vontade para tomar café ou comprar tabaco” – se motivou a acompanhar o irmão Carlos a uma zona de castanheiros ali do outro lado do Rio Minho, ao Freixo (Crecente, Galiza).

“Ia contente, até me disse que levasse um saco plástico para trazer as castanhas”, recorda Carlos. “Passamos o marco Nº1, a Frieira, a ponte. Depois há um estradão em betão, subimos, uns 10 metros e chegamos à estrada principal, viramos à esquerda, onde são os castanheiros. O meu irmão chegou lá, apanhou duas ou três castanhas e diz-me: ‘Carlos, quero ir embora’”.

Pontos de referência: Saída, ponto de passagem e zona dos castanheiros onde José Luís se terá perdido

Acabado de chegar de um percurso que terá demorado “mais ao menos uma hora” a fazer a pé, o irmão questionou o repentino fastio pela colheita a que se tinha proposto de manhã e incentivou-o a ficar mais um pouco, mas a “demência” de que José Luís sofria, que não lhe permitia sequer “reconhecer o valor do dinheiro” não lhe terá permitido compreender o argumento.

“Queria vir embora, nunca pensei que seguisse sempre em frente. Ali tem a abertura para os carros passarem para a Frieira, passava para Cevide e estava em casa”, diz Carlos Cardoso, observando sob o possível momento em que o irmão se desorientou quando, “em vez de virar à sua direita, seguiu em frente”.

“Eu fiquei ali dez minutos ou um quarto de hora a apanhar o resto das castanhas e voltei a pé, será uma hora de caminho. Chego, vejo a porta fechada e digo: – Zé, abre a porta se faz favor”. Aí, responde-me a minha irmã Fátima a dizer que ele ainda não tinha chegado. Então ele saiu da minha beira eram onze horas, ainda não veio porquê? Comecei a preocupar-me”.

Sem saber que assim seria, foi neste momento que Carlos Cardoso iniciou as buscas pelo irmão José. Começou pelo Café [Coelho] de S. Gregório, “onde ele ia comprar tabaco e tomar o seu café”.  Dizem-lhe que o irmão não estivera.

“Dali vou em direção à Espanha, passo a fronteira e vou ao café do senhor ‘Pepe’, n’A Notária”, onde também não o tinham visto. “Desço em direção à Frieira, onde encontro um amigo de longa data, conhecido da família, já era quase uma hora [portuguesa] da tarde”.

Explica-lhe a situação, o amigo não viu José, mas diz-lhe que poderá passar por ali. Já na estrada principal, vira para o Freixo. Encontra pessoas, pergunta se viram um homem “alto, magro, de olhos azuis”.

“Um senhor diz-me que sim, que passara a dizer que queria ir para Portugal e que lhe dissera para ir para trás e ele, em vez de ir para trás, seguiu à sua esquerda. A gente dali reuniu-se toda comigo. Rapidamente colocaram o nome, a fotografia dele, partilharam nas redes sociais”, conta Carlos Cardoso.

“Duas horas mais tarde, uma pessoa que contactei diz-me que o vira e falara com ele. A dizer que queria ir para Portugal e a chamar o nome de Carlos. Por mim. Quando ouvi aquilo confirmei que ele estava completamente desorientado, perdido”.

Em Portugal não havia evolução, mais foi através da GNR que a Guarda Civil destacou alguns dos seus elementos para as buscas. Carlos Cardoso terá recomendado a Teresa (uma das irmãs) para ir ao posto da Guardia Civil de Arbo para comunicar o desaparecimento do irmão e explicar a situação clínica. Mas “Arbo estava fechado”, a opção é comunicar ao Posto da GNR de Melgaço.

Terá sido cerca das 12h30 que Teresa informa a GNR local e o contacto com a Guarda Civil de Crecente e estabelecida e é mobilizado um grupo de quatro elementos – “um Tenente, um Sargento e dois praças”, diz Carlos Cardoso – e é estabelecido ponto de encontro no Freixo.

Questionado por este jornal sobre eventuais contactos com as autoridades espanholas após conhecimento do desaparecimento, o Comando Territorial de Viana do Castelo esclarece que “a GNR assim que teve conhecimento do desaparecimento informou de imediato as autoridades espanholas, tendo obtido a informação de que a Guardia Civil já se encontrava no terreno a realizar buscas”.

“Expliquei-lhes a situação do meu irmão, que era grave porque tem demência e não tem sentido de orientação, se não o apanharmos hoje nunca mais o apanhamos. É preciso um helicóptero e cães pisteiros. Foi a primeira conversa”, diz Carlos Cardoso, sobre o primeiro encontro com os elementos da Guardia Civil.  “Disseram que iam procurar”.

Carlos Cardoso não acompanha a Guardia Civil, segue por sua intuição e em contacto frequente com populares. “Procuramos na estrada principal, nas secundárias e no final do dia, juntamente com aquela gente, aproximei-me já de Ribadavia. Lá naqueles cafés, ninguém o tinha visto. Já seriam 20h30, 21h da noite”.

Às 6 horas da manhã do dia 9 de Outubro, (segunda-feira), já Carlos Cardoso está no terreno para continuar as buscas. “Estou no Freixo, com a minha irmã Teresa. Contacto com a população e Guardia Civil. Peço cães pisteiros e helicóptero. Passado algum tempo, as 11 horas, o Sargento reúne-nos e diz: – Já fizemos toda a montanha e não o encontramos, temos de procurar na via-férrea”.

Carlos Cardoso insiste que o helicóptero seria importante para as buscas, dizem-lhe que “só chegaria pelas 15 horas”. Devido à diferença horária entre os dois países (no caso da Galiza, é mais uma hora que Portugal), para não incorrer em imprecisão nos factos, notamos que a hora de falecimento de José Luís Cardoso às 13h07, indicada por Carlos Cardoso neste depoimento, poderá ser a do relatório da medicina forense espanhola, assim como outras imprecisões.

Com as novas indicações da Guardia Civil, Carlos Cardoso e um amigo caçador começam as buscas junto à linha do comboio a partir da Frieira. A Guardia Civil fez as buscas mais à frente, não sei por onde. Por volta da uma hora, uma menos dez (da tarde), o Tenente ligou a dizer que já o tinham encontrado. Percebi logo”, recorda Carlos. O amigo caçador que acompanhava pedia-lhe para não fazer “escândalo”

“Ele estava sentado, afastado uns dez centímetros da linha. O Tenente tinha prevenido o chefe da estação de Ribadavia para os comboios irem mais devagar e fazerem atenção, porque havia uma pessoa com muitas dificuldades perdida há um dia. Até fizeram controlo de alcoolemia ao maquinista, era um comboio de mercadorias. Mas o comboio tocou-lhe um pouco no braço e tirou-lhe dois bocadinhos dos dedos do pé, nada de muito grave. A autopsia indicou enfarte no miocárdio. O problema foi ter ficado desde Domingo às 11 horas sem comer, sem medicamentos, e tinha medo”, aponta Carlos Cardoso.

O desfecho fatal de José Luís revoltou o irmão a denunciar a inatividade de uns, a falta de meios e de estratégia de outros.

“Eu avisei a Guardia Civil que se não o apanhássemos naquele dia, já não o apanhávamos com vida. Porque é que não entram em contacto com as autoridades portuguesas? Um helicóptero para cá, vamos buscar os cães. A GNR trabalha com uma empresa em Monção, porque é que não entraram em contacto, íamos buscar os cães até ao final do dia (8, domingo). Nunca houve um mínimo de contacto entre a Guardia Civil e a GNR”, acusa Carlos.

“Tiveram de vir de Crecente, que topograficamente não conheciam nada. Quatro pessoas. Para um terreno enorme e a densidade de floresta que tem. O meu medo era que o meu irmão tivesse caído e batido com a cabeça numa pedra, íamos demorar uma semana ou duas para o encontrar. Era primordial, em qualquer das situações, a Guardia Civil ter entrado em contacto com a GNR e ter feito contacto com a empresa que tem os cães pisteiros. A Guardia Civil não fez nada”.

Carlos Cardoso

A denúncia de Carlos Cardoso assenta, na impossibilidade de reverter os acontecimentos que vitimaram o irmão, na “falta de colaboração entre as autoridades portuguesas e espanholas”.

“Teríamos um helicóptero, os cães e o apoio, se houvesse uma maior colaboração entre a GNR e a Guardia Civil. Faltou a GNR ligar para para saber como estava a situação do nosso cidadão, assim como a Guardia Civil ter reportado o ponto de situação. Para isto não deve haver Domingos nem Segundas”, notou.

Local de onde saíram de manhã, nos Casais

Face a um momento, há mais de dois anos, em Santiago de Compostela, em que José Luís Cardoso se distanciou e andou perdido pelas ruas da cidade galega até que as autoridades o encontrassem, Carlos Cardoso diz que chegou a inquirir a psiquiatra sobre a possibilidade de lhe ser colocada uma pulseira eletrónica localizadora.

“Nem me respondeu. [Neste caso] Era encontrado em minutos, mas ela nem uma nem duas. Não me respondeu. Vi nessa médica uma falta de conhecimento profunda sobre o que era a psiquiatria. Ela não falava com ele, única e simplesmente fazia um receituário. Isto é um médico psiquiatra? Este caso é gravíssimo. Não vou deixar passar”, recorda.

Após estas declarações ao jornal “A Voz de Melgaço”, Carlos Cardoso expôs a ocorrência ao presidente da Câmara Municipal de Melgaço, Manoel Batista, que terá prometido acompanhar e questionar a Junta da Galiza acerca da colaboração entre as autoridades de ambos os países.

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