‘Milho à terra!’ – Gave realizou sementeira à moda antiga e tornou momento um evento popular

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A Associação “Brandeiros” voltou a pegar na premissa reforçada pelo Projeto Raízes – com a exposição de artes e ofícios da freguesia e direito a filme e exposição, no último mês de maio – e voltou a colocar mãos ao trabalho.

Desta vez, a mostra foi fora de portas: no dia 14 de junho, pelas 9 horas, homens e mulheres da Gave trocaram o auditório pela leira, a arte do junco pelo arado. Muniram-se dos mais variados artefactos para levar a cabo uma lavrada à moda antiga.

Enxadas, cangas, carro de vacas, arado, grade, juntas de vacas – Cachenas e Barrosãs convivem nos trabalhos e no monte desde que há memória por estes lados – tudo estava a postos para iniciar os trabalhos, condensando na mesma manhã todo o processo da sementeira.

Dezenas de pessoas perfilavam-se sobre o muro, do lado de fora do campo, para ver os trabalhos que aí se desenrolariam, mas a preparação da sementeira começava fora do campo. Um pouco mais acima, numa corte de pedra, procedeu-se ao escavar do estrume, carregá-lo para o carro de vacas, emparelhar os animais e levar a carga até à leira.

Aí, já com um reforço popular ao nível das melhores sementeiras de outrora, homens e mulheres perfilavam-se para tirar o estrume do carro, espalhá-lo, cavar as ‘beiras’ e compor a terra. Houve trabalho para todos: até o padre (Raul Fernandes) ajudou, aguentando o arado mesmo perante uma junta de vacas pouco habituada ao trabalho e, por isso, ainda sem ritmo para a tarefa.

Percalços, só mesmo os do material. A canga, por falta de uso e algum ataque de térmitas, não resistiu. Prontamente substituída, o trabalho fez-se o tempo suficiente para mostrar serviço e, ao mesmo tempo, recordar que há materiais e animais que precisam de atenção constante para que, em tempo de sementeira, os percalços sejam cada vez menos.

Alguns elementos da Rusga “Amigos da Gave” pegaram na enxada no momento de ‘amanhar’ a terra e no repertório do cancioneiro local na hora do merendeiro, cantando a capella os populares versos que, à boa maneira dos tempos retratados, vão do humor à ‘provocação’ popular.

“Temos qualquer coisa que nos une à terra. Esta iniciativa de fazer a lavrada já está há algum tempo a ser trabalhada, aquilo que nos faltava era, de facto, termos os animais, que é uma das partes mais interessantes. Os equipamentos, naturalmente, temos, embora alguns em fraco estado, mas, uma vez que conciliamos tudo isso, temos pessoas com vontade de trabalhar. Acho que estamos no bom caminho”, diz Agostinho Alves, presidente da Associação “Brandeiros” e presidente da Junta de Gave.

“Quando começámos com o Dia do Brandeiro, já fazemos de forma diferente. Trazer o cortejo, as nossas raízes ao de cima, isso motiva-nos e vemos o empenho das pessoas, como se envolvem e a vontade que têm de ir buscar estas tradições”, frisa ainda o dinamizador local.

A Associação “Brandeiros” quer agarrar as populações de montanha pela emoção e pelo trabalho comunitário, em desuso desde que os tratores vieram mecanizar e centralizar os trabalhos em apenas um operador: a máquina e as alfaias.

“As pessoas eram muito cooperantes. Antigamente, numa lavrada, ia uma família começar e, logo a seguir, o campo estava cheio de pessoas, porque havia entreajuda, vontade de colaborar. Estas pessoas viveram cada atividade do campo. Noto que é um orgulho enorme termos esta iniciativa, e esta juventude também está a agarrar a ideia e com vontade também de colaborar”, observa ainda.

Desde 2014, quando o cortejo etnográfico levado a cabo no Dia do Brandeiro (no início de agosto), com os carros de vacas, os trajes, os hábitos e tradições da transumância, toda a comunidade da Gave reavivou o apelo da montanha. Agostinho Alves diz que a vontade popular não esmorece após o grande momento de deitar a semente à terra.

“Vamos acompanhar o ciclo todo que tem a produção do milho: desde o sachar, depois o arrendar, regar e depois o corte. Na altura da desfolhada queremos criar mais um evento, com uma moldura humana, criar um evento diferente, com mais atração”, perspetivou.

Reforçada com a representação da Rusga, a associação ganha também mais identidade e representação, dentro e fora de portas. “Já não é só a freguesia que está envolvida. Há pessoas de freguesias vizinhas que também estão a vir e a participar”, notou o representante.

“É importante que as freguesias e concelhos vizinhos colaborem e se entusiasmem também por estes momentos que, no fundo, são o relembrar de outros tempos e transmiti-los à juventude. A vida antigamente não era fácil, mas também não era assim tão complicada, era trabalhada de forma diferente”, apelou Agostinho Alves.

Texto publicado na edição impressa de Julho do jornal "A Voz de Melgaço"

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