Boletim Cultural: Desde 2002 a construir uma “análise profunda” sobre a identidade melgacense

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Iniciada em 2002, a publicação que se propõe fazer “profunda análise da cultura e do património” melgacense lançou o seu 11º número, relativo a 2024, em janeiro deste ano.

A periodicidade, anual até 2009 (Ed. Nº8) – as primeiras sete edições já estão disponíveis para download no site da rede de bibliotecas de Melgaço, separador Biblioteca Digital (link aqui) – passou para a frequência de “um boletim a cada mandato” nos últimos três números, 2016 (Nº9), 2018 (Nº10) e 2024 (Nº11). A identidade gráfica continua harmoniosa e a coordenação é novamente de Abel Marques e Patrícia Meleiro, técnicos da autarquia.

Quatro dos homenageados com o título de Cidadão de Mérito são colaboradores, mais ou menos assíduos, do Boletim Cultural: Américo Rodrigues, José Domingues, José Rodrigues Lima e Valter Alves.

José Domingues colaborou neste último volume com o texto “Fragmentos do Regime Político-constitucional Vintista e da Vila-Francada em Melgaço (1820-1823)”. O artigo versa, conforme resumo do próprio, sobre a repercussão do regime político-constitucional do triénio liberal (1820-1823) e da contrarrevolução da Vila-Francada no espaço geográfico do atual concelho de Melgaço, que, nessa época, incluía também o concelho de Castro Laboreiro, parte do concelho de Valadares e o couto eclesiástico de Fiães, que foram extintos pela reforma administrativa liberal.

Valter Alves reúne pesquisa histórica sobre “As Termas do Pezo do Minho (Melgaço): Saúde, Cultura, Glamour e Solidariedade”, desde as origens até meados do século XX, antes da 2ª Guerra Mundial, é a primeira de duas partes do trabalho de investigação feita por Valter Alves, profusamente ilustrada por fotos de arquivo, de Aurélio da Paz dos Reis, Foto Alvão, postais da época e outros materiais de arquivo. A segunda parte, relativa à dinâmica das termas a partir da década de 40, será publicada no próximo Boletim Municipal.

Américo Rodrigues voltou aos arquivos para resgatar da história desconhecida um “In Memoriam de Adelino Gonçalves – Breve Apontamento da Emigração de Castro Laboreiro para o Brasil”, que parte das memórias escritas de Adelino Gonçalves (1925-2011) redigidas pelo próprio entre 1993 e 1995 e entregues ao investigador castrejo pelo sobrinho do emigrante, Juscelino Gonçalves, em outubro de 2018. Américo Rodrigues faz introdução e contexto de como chega ao documento e, num segundo momento, faz uma transcrição comentada e ilustrada do manuscrito de Adelino Gonçalves, que escreve com “punho de cronista” a sua viagem para o Brasil.

Contudo, esta edição do Boletim Municipal é ainda de homenagem ao Prof. José Marques (1937-2021), que foi, “desde o início, a alma deste Boletim”, como notou professor (aposentado) do Departamento de Sociologia do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho e coordenador desta edição do Boletim, Albertino Gonçalves.

O texto “Caminhos da Investigação do Prof. José Marques (1937-2021), por Maria Cristina Cunha, Professora Associada da Faculdade de Letras da Universidade do Porto”, detém-se sobre a vida e obra (e do quanto a sua terra figurava nela) do professor e cónego José Marques.

No aturado texto (com cerca de 17 páginas) de Alexandra Esteves, Professora Associada com Agregação do Departamento de História da Universidade do Minho, sobre Tomás das Quingostas, a autora acompanha o líder de uma das várias quadrilhas que sobressaltaram o Alto Minho entre 1835 e 1870 desde as origens, em S. Paio, até à detenção, em finais de 1855, no âmbito de um plano “orquestrado” pelas administrações dos concelhos de Ponte de Lima, Arcos de Valdevez e Ponte da Barca.

A história de Tomás Joaquim Codeço, filho de uma família “relativamente abastada” de agricultores de S. Paio, começa, segundo o mesmo artigo, com as primeiras alusões documentais, produzida pelas autoridades administrativas, em novembro de 1834.

O MDOC – Festival Internacional de Documentário de Melgaço, merece de Carla Vasconcelos, Professora Especialista em Marketing Turístico, Gestão do Turismo e Património, um “estudo exploratório” que parte do propósito de “analisar a dinâmica que se estabelece entre os territórios e os eventos culturais”. O extenso estudo (cerca de 30 páginas, mais referências bibliográficas) conclui que “O MDOC tem conseguido consolidar a sua identidade, sem que isso limite a sua capacidade criativa de propor novos projectos”.

Eduardo Pires de Oliveira, do ARTIS – Instituto de História de Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, fez “Investigações no Acaso e no Tempo: Informações Sobre a Arte na Área do Concelho de Melgaço”, que lista, por freguesia, intervenções no património, autorizações e até delimitações territoriais realizadas no concelho entre os séculos XVI e XX.

O Boletim Municipal Nº11 fecha com entrevista do coordenador da edição, Albertino Gonçalves, a Gilberto António Cardoso (falecido em janeiro de 2016), sobre a sua viagem “a salto” para França. Realizada no âmbito do projecto Memória e Fronteira, em 2007, a propósito do qual foram filmadas várias conversas/entrevistas, a de Gilberto Cardoso com Albertino Gonçalves é agora transcrita pela primeira vez.

“Muitos têm sido aqueles e aquelas a dedicar o seu conhecimento nesta arte de transformar em documento escrito aquilo que fomos e somos. Uma nota especial de agradecimento também ao Abel [Marques] e à Patrícia Meleiro, que têm sido incansáveis neste trabalho da construção do nosso Boletim. Obrigado a todos”, congratulou Manoel Batista.

Apresentação do Boletim Municipal Nº11, por Albertino Gonçalves, na sessão de 18 de janeiro de 2025. 

Homenagem ao Prof. José Marques

“A primeira parte, assim foi desejada, é de homenagem, ou melhor, de gratidão ao padre José Marques. Entendeu-se por bem que este número devia começar precisamente por um artigo sobre a vida e obra, mas um artigo que não fosse muito formal, que fosse carinhoso, afetivo. Portanto, pedimos a uma pessoa que trabalhou, foi colega, foi aluna e investigou com ele, que ele fizesse um artigo.

É muito conhecido em Melgaço, todos conhecemos o seu trabalho como historiador, mas este artigo tem uma vantagem e por isso convido à leitura: Mostra duas facetas do Padre José Marques que talvez aqui em Melgaço não conheçam muito bem.

Foi um excelente professor, inovou na maneira de ensinar e conseguiu adquirir o respeito, o reconhecimento e a amizade dos seus alunos. A doutora Cristina, faz questão de se demorar sobre este aspeto.

A segunda faceta é a irradiação internacional. O padre José Marques foi uma figura internacional muito importante. Ocupou muitos cargos, pertenceu a muitas associações, foi uma pessoa que teve um nome internacional como muito poucos melgacenses tiveram até agora. Portanto, a primeira parte é de reconhecimento ao padre José Marques, ainda por cima porque foi, desde o início, a alma deste Boletim”.

José Domingues, sobre a Vila-Francada

“O texto de José Domingues é sobre um aspeto pouco trabalhado em Melgaço, que é a reação de Melgaço à Revolução Liberal de 1801, bem como à Vila-Francada, isto é, ao golpe que fez uma interrupção no Governo Liberal. Extremamente bem documentado, o doutor José Domingues é um grande historiador melgacense”.

Tomás das Quingostas

“O segundo texto, mais ao menos da mesma época, é sobre o Tomás das Quingostas, uma lenda, uns apreciam, outros não. Em Castro Laboreiro, muitas vezes dizia-se às criancinhas, em vez de “vem aí o papão!”, era “olha que aí vem o Tomás das Quingostas!”.

Não é a primeira vez que se escreve sobre o Tomás das Quingostas, já houve historiadores melgacenses que escreveram, e bem, sobre ele. Este artigo, a autora [Alexandra Esteves] já o tinha escrito em francês, para publicação numa revista internacional. Eu pedi-lhe para aceitar que ele fosse publicado no Boletim e ela aceitou.

Em relação às publicações anteriores, tem a vantagem de incidir muito sobre o problema da relação entre os Liberais e os Miguelistas – Tomás das Quingostas era também uma figura política – e de o inserir na criminalidade, não só de Melgaço, mas de toda a linha de fronteira, até a Ponte da Barca, e é interessante ver o Tomás das Quingostas no seu contexto”.

Valter Alves e “As Termas do Pezo do Minho”

“Pedimos-lhe um artigo sobre os Termas do Peso, saiu um artigo enorme. Lembro-me que a primeira versão que apresentou tinha oitenta e tal páginas! Acertámos uma coisa muito simples, que é publicar em duas partes: A primeira neste Boletim, a segunda parte no próximo. O artigo deste Boletim é desde a origem [das Termas] até ao início da 2ª Guerra Mundial; A segunda parte, já escrita, é a partir da Segunda Guerra. De qualquer das maneiras, é um artigo de quase 50 páginas, substantivo.

Carla Vasconcelos e o MDOC

“Mostra já uma preocupação em escrever sobre a atualidade, sobre o que se passa agora. Muito minucioso, criterioso, muito interessante. Faz lembrar uma dissertação, porque não falta nada a uma dissertação. Fica uma ideia, uma apresentação do MDOC de todos os pontos de vista. Enriquecedor”.

Eduardo Pires Oliveira: Informações sobre a arte

“Um dos maiores historiadores de arte do país. Conhece como ninguém o Arquivo Distrital de Braga e aceitou fazer um inventário descritivo de tudo quanto era documento existente relativo à arte em Melgaço, desde o século XVI. Dá acesso a um inventário de todos os documentos, por Freguesia, que existe no Arquivo Distrital, relativos às atividades de arte em Melgaço”.

Américo Rodrigues e a jornada de Adelino Gonçalves para o Brasil

“Américo Rodrigues é provavelmente o castrejo que mais bem conhece Castro Laboreiro e aquele que mais tem reunido documentação e informação sobre o Castro Laboreiro. Esta é a memória de um castrejo que foi para o Brasil, nos anos 30 [do século XX] e que, a uma dada altura da sua vida, escreveu sobre toda a sua vida, desde antes de sair de Castro Laboreiro até à da sua instalação no Brasil. Uma transcrição comentada de uma experiência de vida na primeira pessoa. Extraordinário. Este tipo de documento é muito raro e proporciona às pessoas que o leem, verem as realidades do ponto de vista de quem as vive. Portanto, é um documento precioso”.

“Não Matamos Ninguém!”, de Albertino Gonçalves

“Por causa do espaço de “Memória e Fronteira”, fazíamos questão de filmar as entrevistas com as pessoas, para depois projetar em contínuo. Foi assim que fizemos várias entrevistas, e uma delas foi a um ex-emigrante de Cristóval, que comunicava muito bem, era um espetáculo ouvi-lo. O artigo não lhe presta justiça, porque a gente não tem os gestos, não tem as pausas, não tem o olhar, não tem tudo aquilo de que ele era capaz, mas vamos pôr online, a entrevista filmada. Vão poder ver o que era mesmo.

Para além de contar muito bem as coisas, teve a experiência da viagem ‘a salto’, mas teve outra experiência, que alguns melgacenses tiveram, felizmente não muitos, mas muita gente conhece.

Os nossos emigrantes partiam ‘a salto’, mas cometiam um crime. Muitas vezes a PIDE andava à procura deles e, tendo emigrado ‘a salto’, eram criminosos em Portugal. Quando vinham de férias, muitas vezes passados três ou quatro anos, tinham de ter muito cuidado, porque podiam ser presos. E alguns foram. Neste caso em particular, ele fez uma espécie de acordo com a PIDE para não o chatearem, mas foi preso na viagem de regresso a França.

Acontecia muito facilmente, ainda é do meu tempo, quando a gente ia no comboio para França, os Guardas Civis, passavam pelo comboio, recolhiam os nossos passaportes e às vezes abriam as malas e viam o que é que a gente tinha. Eu vivi isso.

Um dos colegas dele, como era comum, levava as suas garrafinhas de Vinho do Porto. Ora, eles só tinham autorização de vir até à fronteira portuguesa, não tinham autorização para entrar em Portugal. Levando garrafas de Vinho da Porto, era sinal de que estiveram em Portugal, tão simples quanto isto. Foram presos, numa cadeia que havia perto de Barcelona, que dantes era um Convento e que tinha células subterrâneas. Foram espancados. Foi uma experiência terrível e é contada todas essa experiência”.

O que vai ser do Boletim Municipal?

“Quando se fez este Boletim [Ed. Nº11], já tínhamos mais oito ou nove artigos, prontos para publicar. O Álvaro Domingues já estava disposto a escrever um artigo sobre o turismo local, entendeu-se que esse artigo cabia para o próximo número. A Elsa [Rodrigues, Técnica responsável pelo Arquivo Municipal], também se tinha proposto fazer um artigo, com o apoio do Armando Malheiro, sobre o nosso Arquivo Municipal. O próprio Armando Malheiro e o Joaquim Rocha tinham previsto fazer um artigo sobre as casas dos brasileiros em Melgaço. Valter Alves tem a segunda parte das Termas do Melgaço à espera para ser publicado. Já vamos em quatro artigos.

Estava previsto um artigo sobre as descobertas arqueológicas do Planalto de Castro Laboreiro, um tema também interessante. O Daniel Maciel, do MDOC, também se predispunha a fazer um artigo sobre Alvaredo.

Soube depois que uma das pessoas que tem escrito e colaborado muito com Melgaço, o Álvaro Campelo, teve pena de não ter um artigo neste Boletim. A professora Maria Cristina Cunha (autora do artigo sobre o Prof. José Marques), comprometeu-se, ela e os alunos, a recolher documentos medievais para publicar no próximo ano. Se a isso acrescentarmos os testemunhos e os documentos das entrevistas, eu tenho dezenas de entrevistas, todas tão boas ou melhor que esta.

Estivemos para publicar neste Boletim uma carta do Manoel Igrejas, em que ele conta coisas dos anos 30 que são espetaculares. Essa carta será, provavelmente, uma candidata também a um número, mas sei que a Escola Secundária, a Academia Sénior e o próprio MDOC andam a recolher muita informação sobre o Melgaço.

Se nós ousarmos, e devemos ousar, porque isso é uma característica de Melgaço, sermos os primeiros a fazer certas coisas, de abrir não só a texto, mas também à imagem, imagens de obras de arte, a fotografias que temos e que o MDOC tem reunido, então não há problema fazer o Boletim, porque de facto Melgaço tem”.

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