100 anos de Maria Augusta Gonçalves: Da Fazenda de Angola as sementeiras de Melgaço

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1924 foi um ano tumultuoso: Na política nacional, Teixeira Gomes era, entre o rol de periclitantes, o mais estável dos Chefes de Estado. Aguentou-se uns impressionantes 26 meses no poder, antes de passar a pasta a Bernardino Machado. Na presidência do Ministério (primeiro-ministro) andava-se em substituições à Benfica: Álvaro de Castro entrara em ‘jogo’ em dezembro de 1923 e a 6 de julho de 1924 entregou a liderança a Alfredo Gaspar que, depois de cerca de cinco meses de exercício, passou o testemunho a José Domingues dos Santos…
Nem a propósito, no futebol preparava-se terreno para a festa do FC Porto. Em confronto com o Sporting na final da 4ª edição do Campeonato de Portugal, que decorreria já em 2025 no Campo de Monserrate, em Viana do Castelo, Porto ganha a contenda por 2-1.

Na vida, o cenário era mais calmo em Paços, hoje União de Freguesias de Chaviães e Paços. Nascia Maria Augusta Gonçalves, no correr do pano do belicoso ano, a nove de dezembro. Em 2024, cem anos depois, a União de Freguesias onde ainda Maria Augusta reside, gravou em prata a data centenária e entregou em mão a lembrança. Em torno do gesto, montou-se a festa e numerosa família, que quis estar presente e guardar para a posteridade esta memória fotográfica.

“Sinto-me livre, para mim está tudo bem”, resume Maria Augusta, quando perguntamos como está, como se sente. Recorda sobretudo os dias em que trabalhava no campo e, embora com menos precisão, os tempos que viveu em Angola, no período em que o marido, Júlio Gonçalves, trabalhava para os serviços de Geologia.

“Trabalhava para o Estado, na prospeção. Andavam a fazer as sondagens no solo e a mapear o que encontravam, ouro, diamantes, o que fosse. Tinham de localizar, selar, só eles é que sabiam. Depois rebentou a guerra quando estavam a vir para Portugal e o Salazar já não o deixou regressar, porque os revoltosos queriam apanhar essa gente, para lhes relatar tudo que lá estava”, conta-nos o genro de Maria Augusta, António Pereira, que é o ‘verificador de factos’ quando a centenária já não se recorda ou deixa que a voz da emoção de outros momentos se interponha ao rigor histórico.

Maria Augusta terá vindo então em 1961, aos primeiros prenúncios da guerra e o marido ficou a trabalhar no serviço de geologia no Porto. Deixavam em Angola uma Fazenda com 50 hectares, com plantação de café. Salvaram-se alguns bens. Por cá “ganhava sete contos e meio por mês, já naquele tempo”, mas não foi a salvação do agregado. Mais tarde, emigrou para a França.

Maria Augusta já não foi para França, ficou cá, a edificar património. António Pereira volta a acrescentar dados com o rigor histórico que parece nortear-lhe a missão de resgatar a história da família da esposa do esquecimento.

“O meu sogro estava em França, mandava o dinheiro e o pai dela, que era pedreiro, é que construiu a casa. O pai dela [Maria Augusta] era pedreiro e Presidente da Junta. Os fontanários na Freguesia foram todos feitos por ele, na altura que foi Presidente de Junta”, recorda.

Recorda sobretudo a vida no campo, pelo qual tem uma estima saudosista. E das sopas de vinho, de que “gostava bem”.

“Vínhamos cansados do campo, de trabalhar com um sacho na mão. Tínhamos que trabalhar, se queríamos comer o pão e outras coisas. Mas matávamos os porcos, e aves, tínhamos sempre muitas aves, e vivíamos mais ou menos, porque era do nosso trabalho”, recorda Maria Augusta, contando por sua própria iniciativa o momento vivido com mais intensidade.

Hoje recorda sobretudo a vida que levava no trabalho do campo, as sementeiras, e a ajuda que deu para a construção da casa onde viveu com o marido, construída em pedra granítica transportada com ajuda de vacas.

Vive com a filha e genro e gere a sua vida entre o quente da lareira, a cama e os bons almoços – “come bem e sem limitações, como nós”, garantem eles – e ainda não tira da ideia a boa broa caseira e o vinho tinto que outrora tanto lhe animaram as sementeiras e os fins de tarde, a meio ou ao fim dos trabalhos. Quiçá, o energético e antioxidante de outros tempos que tornaram possível a chegada a tão rotunda idade.

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