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Uma manhã, Rui Romano – nome fictício – acordou com uma notificação das autoridades, alertando para a necessidade de limpeza de um terreno adjacente a um loteamento de casas.
Soube que, para cumprir a lei – Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de junho, alterado pela Lei n.º 76/2017, de 17 de agosto, entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 82/2021, de 13 de outubro (com regime transitório em vigor nos municípios através dos PMDFCI) – e tratando-se de um loteamento de quatro ou cinco casas, o artigo 15.º do diploma obriga à execução de faixas de gestão de combustível que, no caso de aglomerados populacionais inseridos ou confinantes com espaço florestal, devem atingir 100 metros em redor do perímetro do conjunto habitacional. Assim, feito o cálculo à dimensão do terreno e da faixa de segurança, terá de limpar cerca de 1 hectare e meio de terreno.
“Nem é terreno urbano, nem é produtivo. Se fosse urbanizável, ainda era discutível. Mas não é, ali não é permitido construir, fica onerado pelo loteamento”, diz Rui Romano, indignado por ter um terreno “refém” de um loteamento para o qual tem de trabalhar a paisagem.
“O loteamento implicou condicionantes ao terreno privado”, explica ainda o proprietário, notando o rigor da norma que o obriga, praticamente, a trabalhar um género de ‘jardim’ para o grupo de residentes que confinam com a sua parcela.
“Tenho de cortar qualquer tipo de vegetação acima de 20 centímetros. Portanto, nesta parcela, posso ter de ser obrigado à limpeza até, no limite, quatro vezes por ano. Dito de outra maneira, se cortar a erva em maio, ela vai crescer e em agosto já está seca. Ao ser dizimada tão constantemente, faz com que haja muita erosão do terreno. Mas a lei é inclemente, até para com um salgueiro que estava no terreno. Seria uma barreira, mas nem esse foi perdoado”, criticou.
Rui Romano chama ainda a atenção para a pressão que a lei possa estar a causar aos proprietários de terrenos na manutenção da paisagem, sem que muitos deles retirem daí qualquer vantagem.
“A agricultura, nestas parcelas, não tem qualquer viabilidade, na nossa zona. Não há pastoreio de animais, já ninguém se dedica à criação, a erva deixa de ser necessária, não tem valor. A lei do pousio, isto quando aconselharam os agricultores a ter os terrenos em pousio, criou erva e silvas. Mas foi aconselhado e as pessoas até receberam subsídios para terem os terrenos em pousio. Agora já não podem: têm de cortar. Mas ao não haver viabilidade agrícola, as pessoas não têm rentabilidade, nem há poder económico para fazer essa limpeza, que é cortar por cortar, sem aproveitamento nenhum”, observou.
Com o Alto Minho refém de pequenas parcelas sem viabilidade agrícola, a região fica votada ao abandono ou a uma conta de limpezas que os privados dificilmente conseguirão pagar – e os organismos que gerem baldios também não, atentou o proprietário.
“O Governo não dá exemplo, diz que não tem dinheiro, não tem possibilidade. Se eu perguntar a alguma Junta de Freguesia se tem possibilidade de fazer a limpeza, diz-me logo que não, e se perguntar a alguma Câmara Municipal se tem possibilidade, é evidente que me vai dizer que não. E, na realidade, não tem. Eu também só limpo porque sou obrigado, senão não limpava, é lógico. Mas os fundos de coesão, para onde vão?”, questiona.
Quanto custa a Rui Romano limpar um terreno de utilização condicionada, apenas para manter a paisagem? Diz que não tem números recentes, mas lembra valores de outras parcelas onde fez limpeza: “Para limpar 3 hectares, paguei 3.000 euros. Estava com bastante arborização, não estava fácil de limpar, mas foi assim: 3 hectares, 3.000 euros. Mil euros por hectare. E não é para mais nada, é só para limpeza, sem outra finalidade. E se há apoios para este tipo de limpeza, desconheço”, atira.
Face à despesa e pelo cenário com que se confronta, semelhante a tantas outras vizinhanças da região, defende que a construção de lotes ou moradias deve compreender a área de construção e usufruto, juntamente com uma determinada área rústica que valorize o edificado enquanto área verde e de segurança.
“Eu diria que, para assegurar a construção de um edifício, esse proprietário urbano deveria ter uma correspondente área rústica, seja em que local for. Porque é muito bonito, quem está na cidade ou numa vila dizer que o dono da propriedade limpa, mas são os proprietários das casas que usufruem de uma paisagem que é do trabalho diário de pastores, de agricultores, lavradores, vitivinicultores, que trabalham todos os dias para manter uma determinada paisagem. E isso não tem custos? Quem é que tem de suportar esses custos? Não é o país?”, questionou.