“Precisamos que os presidentes de Câmara de todo o norte do país entrem pelo IFAP dentro e digam: ‘Assim, não! Precisamos dos pastores’”

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Corte no apoio à manutenção de baldios pode ditar fim dos pastores na serra, diz José Alberto Esteves

José Alberto Esteves, pastor na zona de montanha de Parada do Monte, Cubalhão e Lamas de Mouro, manifesta-se contra os cortes nos apoios concedidos pelo Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. (IFAP) à manutenção dos baldios realizada pelos pastores.

Dedica-se ao pastoreio intensivo desde 1992. Começou com mais de 300 ovelhas e cabras de raças autóctones e hoje tem 45 vacas adultas e 15 vitelos em criação, de várias raças, para produção de carne.

A “atividade de toda a vida” poderá tornar-se inviável, face aos alegados cortes que o organismo de apoio à agricultura e pescas terá feito, com maior expressão desde o início do corrente ano, tendo-se verificado casos em que, segundo o pastor, “há freguesias que ficaram com 20% do baldio que tinham”.

“O IFAP está a cortar-nos as áreas do baldio. Onde há pedras, onde há árvores, se fizermos uma queimada controlada para renovar os pastos, desclassifica-nos essa parcela da área útil de pastoreio”, notou.

José Alberto Esteves diz não compreender a norma intransigente do IFAP, quando, segundo o próprio, toda a manutenção feita pelos pastores das zonas de montanha deveria ser premiada e não desclassificada.

“Mesmo com máquinas, temos áreas onde não conseguimos limpar porque há pedras ou encostas com muita inclinação, mas são boas zonas de pasto. Eu faço manutenção, abro faixas com o trator e tenho pedido ao engenheiro da Proteção Civil [de Melgaço], o engenheiro Luís de Matos, que tem sido cinco estrelas comigo, quando lhe peço faz sempre as queimadas. Mas eu limpo na zona de árvores, como está aí à vista, o lume não chega aos carvalhos, protejo a floresta, as árvores autóctones. Queimar um bocado de mato que diferença faz? Renova-se o pasto para os animais. Que é que o IFAP quer mais?”, questiona o pastor, desalentado com os cortes, que considera serem uma forma de tirar os pastores das aldeias.

“Não sei como é que vamos viver, porque eu e outros pastores na mesma situação estamos prontos para abandonar. E depois, o que é que vai ser destas aldeias, ao nós faltarmos? Apostamos nisto, eu fui criado aqui nas aldeias, sempre fui pastor e agora custa-me abandonar, custa-me abandonar”, lamenta.

No alto da montanha, a escassos quilómetros de uma das cinco Portas de entrada do Parque Nacional Peneda-Gerês – a de Lamas de Mouro foi mesmo a primeira, inaugurada em 2004 – o olhar estende-se sobre as pequenas parcelas que rodeiam o aglomerado populacional em Cubalhão, onde José Alberto Esteves tem instalado o barracão que abriga o gado. Todo aquele verde cuidado, a ganhar uma nova camada frondosa de erva, tem intervenção direta do pastor e de um primo, com o corte do feno e manutenção das propriedades livres de mato.

“São estas parcelinhas que nos dão o feno para os animais e fazemos a limpeza. Os proprietários, muitos já faleceram, outros estão no estrangeiro. Somos nós, os pastores, que fazemos a manutenção destas aldeias, mas estamos numa zona em que as parcelas são pequeninas e não temos área nossa, precisamos dos baldios. E se nós renovamos pastos, protegemos florestas, as áreas que queimamos são controladas porque abrimos grandes faixas com o trator, os Bombeiros, a Proteção Civil, os Sapadores, ajudam-nos, eu não percebo o porquê destes cortes”, reitera.

José Alberto Esteves diz que nem mesmo uma campanha de reflorestação, que gozará de maior proteção pelos organismos públicos, será mais vantajosa para a paisagem de altitude do que a dinâmica criada pelos pastores.

“A 700 ou 800 metros de altitude, um pinheiro precisa de cem anos para dar uma tonelada de madeira, com um crescimento sem interrupções. Uma tonelada de madeira vale, hoje, 60 euros. O que será mais rentável, criar gado nas montanhas, ou proteger o pinheiro? Eu acho que a única fonte de rendimento que tiramos destas montanhas é o ar, com as torres eólicas (aerogeradores) e o pastoreio. Não vejo mais nada. A floresta é boa, faz falta, mas nós temos áreas que dá para floresta e áreas que dá para pastoreio”, considera, e formula uma questão que pede que seja respondida pelas mais altas instâncias governamentais:

“Pergunto ao Sr. Presidente da República, ao Sr. Primeiro-Ministro, ao Ministro da Agricultura, ao IFAP e ao ICNF: Se cortarem essas parcelas de pastoreio aos animais, será que tem melhor proteção contra os incêndios? Porque tiram a gente destes locais, acabam com a manutenção, estas parcelas ficam todas de monte. Querem que aconteça aqui o que aconteceu este ano [os incêndios de Setembro] ou em 2017 em Pedrógão?”, atira.

“O turismo não quer ver mato. Tira fotos à paisagem cuidada e às pessoas”


“Já tenho alertado o Presidente da Câmara e até já pedi à Proteção Civil que apertassem o IFAP e lhes dissessem: Se os pastores acabarem, quando arderem aldeias, o principal responsável não vai ser a Proteção Civil, não vão ser os Bombeiros nem vão ser as câmaras municipais, vai ser o IFAP, por acabar com os pastores”, acusou ainda.

Associada à perda da dinâmica do pastoreio, nota o pastor melgacense, seguir-se-á outra das grandes atividades geradoras de economia regional, como é o turismo. “A minha mãe andou com os cabras durante anos e há milhares de fotografias por esse mundo fora, que lhe tiravam a ela e ao rebanho. E ainda hoje vejo pessoas a tirar fotografias ao gado, aos animais, não aos tojos”, observou.

“Estamos num momento em que precisamos que os presidentes de câmara do Alto Minho e Trás-os-Montes, ou melhor, de todo o Norte do país, que tem aldeias nas montanhas, que sabem que são os pastores que fazem a manutenção das aldeias, entrem pelo IFAP dentro e digam: Assim, não! Nós precisamos dos pastores”.

Texto publicado na edição impressa de 1 de Novembro (Pág.11) do jornal “A Voz de Melgaço”

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