Bombeiros de Melgaço: “Até 2017, as viaturas estavam todas ilegais”

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“Sei que chocou alguns vereadores a proposta de formação de uma entidade privada aqui próxima, no valor de 15 mil euros, mas é preciso entrar em contacto com a realidade, entrar em simuladores com fogo real. Não é só esticar mangueiras na parada, ligar e regular uma agulheta. Há novas técnicas de combate, hoje em dia a maior parte dos incêndios urbanos não se apagam com muita água, é com pouca, tem é de ser bem aplicada”.


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Corporação pede mais cuidados nos pontos de água e vereadores menos “chocados” com aposta na formação

Com o período de maior suscetibilidade aos incêndios em vigor, as corporações de Bombeiros preparam-se para o pior, ainda que, segundo dados do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), no primeiro semestre de 2023 tenha ardido menos 40% de área do que a média para este período.

Quantitativamente, os incêndios rurais queimaram 9000 hectares a nível nacional e o distrito de Viana do Castelo está, segundo o mesmo relatório, no terceiro lugar entre os mais afectados, com 1430 hectares de área ardida.

José Codesseira, Comandante interino da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Melgaço (AHBVM), detalha-nos, por sua vez, os números de Melgaço que tornam os Bombeiros locais um serviço essencial para a comunidade durante todo o ano, nos incêndios e em outras frentes que também carecem de socorro.

Entre Janeiro e meados de Julho, a corporação de Melgaço assistiu 22 ocorrências de incêndios rurais, que queimaram 454 hectares de terreno, essencialmente áreas de mato.

Para garantir o controlo e eficiência no combate, a corporação dispendeu de um total de 208 bombeiros, 85 horas de trabalho e as viaturas de combate aos incêndios já percorreram, até ao mesmo período, mas de 2000 quilómetros.

Em 2022, a AHBVM respondeu a 86 intervenções em incêndios rurais na região, solicitadas pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Cívil (ANEPC). Neste ano, e ainda vamos a meio de 2023, a sair do período menos crítico, a corporação já registou 22 intervenções.

Há ainda outros números que preenchem o dia-a-dia do corpo de Bombeiros. Considerando também para este efeito apenas 2023, desde Janeiro, já foram realizados 1995 serviços – englobando os de transporte de doentes, emergências pré-hospitalares, incêndios urbanos ou rurais, aberturas de porta – que somam um total de 236 mil quilómetros percorridos.

O esforço do parque automóvel recai sobretudo nas viaturas de transporte de doentes urgente e não-urgentes que, com o concelho longe dos hospitais centrais e de especialidades, torna o trabalho dos bombeiros essencial para os 2339 utentes que até agora já utilizaram este serviço.

Face a esta necessidade, e apesar das dificuldades conjunturais, com as implicações da guerra na Ucrânia e do período pós Covid-19, a corporação reforçou-se com mais três viaturas para transporte de doentes não urgentes e a alguma renovação de frota para cumprimento das normas legais. Mas nem sempre foi assim, revela José Codesseira.

“Em 2017, quando chegamos ao Comando, não havia um único carro com inspecção do INEM, que já era obrigatória desde 2012. As nossas ambulâncias estavam todas ilegais, nem a ambulância do INEM estava legal”, avança o Comandante interino da corporação, indicando ser primordial que “todas as viaturas sejam inspecionadas pelo INEM antes de prestar o serviço, para estarem legais”.

“Hoje, digo com satisfação, temos quase cem por cento da frota inspeccionada pelo INEM”, ressalva ainda José Codesseira, indicando que “nem as viaturas adquiridas em 2016, 2017  “tinham ido à inspeção do INEM. Ninguém tinha tratado disso, não vou dizer porquê, mas sei qual foi o motivo”, reitera.

Nenhuma viatura , ambulância de emergência ou de transporte de doentes, não está pronta a ir para a estrada ao sair do transformador. Tem de ser vistoriada pelo INEM e a cada três anos tem de ter essa atualização. E não havia um único carro”.

O reforço aconteceu também nos veículo de combate a incêndios florestais, mas há ainda uma lacuna no que respeita a enfrentar os desafios futuros, face à perspectiva de industrialização e repovoamento da malha urbana do concelho.

“Há necessidade de um veiculo para incêndios urbanos. Andamos, no século XXI, a combater incêndios urbanos com veículos florestais. O equipamento e características não é o mesmo. Os incêndios urbanos e industriais de hoje já não têm as mesmas características, porque os materiais mudaram. Adquirimos este ano um ventilador, que nunca tivemos e foi um esforço que se fez, e está encaixado num veiculo florestal. Renovamos o material de desencarceramento, que já tinha mais de 40 anos. Em segunda mão, mas em bom estado”.

A cada ano, a AHBVM financia-se através de um apoio da autarquia, apoio da ANEPC, do serviço de transporte de doentes não urgente, da emergência pré hospitalar e de algum donativo dos sócios.

“A associação é dos sócios. Para estarem informados sobre o dia-a-dia da associação, devem estar nas Assembleias Gerais. É lá que são apresentadas as contas, debatidos orçamentos, apresentados os assuntos e, pedindo ao Presidente da Assembleia, colocar questões. Era importante os sócios terem essa participação”, diz José Codesseira.

Quartel “é essencial”, mas é preciso consolidar as contas

“O Quartel é essencial. Nós temos projecto e temos terreno. Agradecemos aos baldios da Freguesia de Prado a cedência do terreno”, nota o Comandante, sobre o novo grande projecto em mãos.

Em causa está a construção de um novo Quartel, de raiz, “pensado para o presente e para o o futuro. A capacidade não se pode esgotar em dez ou vinte anos”. O quartel atual, no centro da vila, “está mal localizado, tem problemas de acessibilidade, infiltrações, não é operacional e é pequeno para este corpo de bombeiros. Temos viaturas a degradar, que tem de estar fora, daqui a um ano precisam de ser pintados de novo. A corporação tem de ter o mínimo para trabalhar e este quartel não oferece isso”, frisa José Codesseira.

Incêndios: “Medidas de prevenção demoram a surtir efeito. Nós actuamos quando outros meios falham”

José Codesseira refere que a época de especial alerta não altera o estado de operacionalidade dos bombeiros, mas representa um esforço para a corporação e pede que as condições dos pontos de água e acessos não sofram um retrocesso a cada ano.

“As medidas de prevenção demoram anos a surtir efeito, se calhar uma década. Até lá, nós atuamos quando as medidas de prevenção falham ou as pessoas têm comportamentos de risco, ou actos deliberados”.

“Tenho dado uma volta pelos pontos de água. Não vou falar sobre isso sem primeiro falar com a pessoa competente do município, mas há um exemplo de um ponto de água que foi construído há muitos anos, financiado, em Sainde, da parte de baixo da estrada entre Sainde e Pomares, que nunca vi cheio, sem ser no Inverno e o objectivo de um ponto de água é dar resposta quando não chove. Quando fazemos o estudo, não é só para ver se a localização é boa, é para ver se temos ponto de água para quando há escassez. Passados tantos anos, ninguém resolveu. Passei lá há dias e registei a nível fotográfico, tem um nível residual de água no fundo e está no plano operacional municipal como misto, para meios aéreos e terrestres”, denuncia o Comandante.

Há ainda outras questões que impedem a operacionalidade daquele ponto de água, mesmo resolvida a questão do abastecimento, como explica José Codesseira.

“Mesmo que estivesse cheio, o meio aéreo não abastecia ali porque carece de abate de árvores à volta. Para meios terrestres, posso deixar o carro na estrada, ligar uma motobomba e abastecer o carro, mas se se constrói um ponto de água, gasta-se milhares de euros e não se cria um acesso para o carro chegar ao ponto de água e abastecer, algo está mal. Mas é um exemplo. Há pontos de água excelentes, bem localizados, cheios, mas outros, passados tantos anos ninguém resolveu”.

Incêndios urbanos: É preciso preparar e investir no que aí vem, mas há vereadores que ficaram “chocados”

“Aproxima-se a conclusão da primeira fase do parque empresarial onde, pelas notícias, haverá produção e armazenamento de hidrogénio verde e o gás natural, que já há aqui na vila, são coisas que acarretam alguns riscos. Neste momento não temos equipamento para fazer face a isso. Precisamos de equipamento e formação”, indica o comandante da corporação.

“Sei que chocou alguns vereadores a proposta de formação de uma entidade privada aqui próxima, no valor de 15 mil euros, mas é preciso entrar em contacto com a realidade, entrar em simuladores com fogo real. Não é só esticar mangueiras na parada, ligar e regular uma agulheta. Há novas técnicas de combate, hoje em dia a maior parte dos incêndios urbanos não se apagam com muita água, é com pouca, tem é de ser bem aplicada”.

José Codesseira diz que é necessário “pensar no futuro, nos riscos que aí vem”, mas para isso é preciso implicar mais as entidades e comunidade para que esta renovação de competências da corporação se efective.

“Acredito que no futuro consigamos fazê-la [a formação], mas não basta visitar o Quartel ou os corpos de Bombeiros antes das eleições. Vem todos cá ver, depois, bola. De vez em quando podiam visitar e falar com as pessoas que tem essa responsabilidade, depois tirem conclusões. É o mínimo que se pode fazer, nós estamos cá todos os dias”, atirou.

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