João Gigante: ‘O fotógrafo’ que ansiava imiscuir-se na comunidade é hoje o melhor a fazer a radiografia às pessoas e à paisagem de Melgaço

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“Agora as pessoas já vão conhecendo e dizem, ‘é o fotógrafo’, mas no início foi mais difícil entrar na comunidade, começar a compreender as dinâmicas e o quotidiano, porque o interessante é fazer parte”


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“Às cinco da manhã esta comunidade está no rio a ver o que ficou preso: se há lampreia; depois vem o trabalho diário, e mais tarde, ao fim do dia, a vinha. Ao fim de semana, o esforço mantém-se, como se a terra estivesse sempre a chamar por quem dela trata”.

João Gigante, in Labuta

A frase acima abre o livro de fotografias (que foi também exposição) “Labuta”, de João Gigante, sobre Alvaredo em 2023, um dos primeiros objetos materiais que resultam da busca pelo património imaterial de Melgaço através do projecto “Quem Somos Os Que Aqui Estamos”, integrado no MDOC – Festival Internacional de Documentário de Melgaço.

João Gigante, natural de Perre (Viana do Castelo) Estudou Artes plásticas (2006/2010) e em 2014 fez mestrado em Fotografia e Cinema documental, onde contruiu saber e curiosidade para que, numa Residência Fotográfica do MDOC (à altura Filmes do Homem) realizasse o seu primeiro trabalho sobre o comércio.

O segundo trabalho, também vertido para exposição, retratou as festas de Castro Laboreiro e foi suficiente para assumir pergaminhos para o que aí viria. Integrou a equipa do projecto “Quem Somos Os Que Aqui Estamos”, coordenado por Álvaro Domingues e Daniel Maciel, orientado e com acompanhamento científico de Albertino Gonçalves. Assumia assim a missão de mostrar e registar para a história do município as imagens contemporâneas de um concelho em transformação.

De lá até hoje (2023) já deu provas da sua visão de quem cá está, com as exposições/livro “Pedra e Pele” (Parada do Monte), “Quem Fica” (Prado), “Estar e Voltar” (Castro Laboreiro), “Uma Paisagem Dita Casa” (Lamas de Mouro) e “Labuta” (Alvaredo).

“De ano para ano vamos passando de freguesia para freguesia, encontrando perspectivas de olhar o território e as pessoas. Agora as pessoas já vão conhecendo e dizem, ‘é o fotógrafo’, mas no início foi mais difícil entrar na comunidade, começar a compreender as dinâmicas e o quotidiano, porque o interessante é fazer parte”, diz João Gigante.

Sobre os primeiros procedimentos a cada ano que chega ‘o fotógrafo’ instala-se na freguesia a fotografar (ou ali próximo) e sai para a rua. “A descoberta parte sempre de um contacto, uma pesquisa, dos cafés, de algo especial que tenha para fotografar, mas na primeira semana quase não fotografo” revela.

João Gigante e Álvaro Domingues, em apresentação do livro do projeto “Quem Somos Os Que Aqui Estamos”

Ao fim de todos estes anos, já sabe onde procurar. “Vou ficando mais próximo e mais consciente daquilo que fotografo”, considera, e vai construindo – mentalmente, para já – o que poderá ser um dos seus grande projectos de futuro.

“Apetece-me voltar aos sítios que fotografei e filmar o reencontro com esses espaços e com as pessoas. Talvez seja um trabalho que precise de mais afastamento no tempo, para daqui a uns anos poder fazer essa pesquisa, e voltar. Se calhar fazer outra reportagem”.

“Na fotografia sempre me interessou muito o conceito de comunidade, as pessoas no território. O meu mestrado foi sobre ‘o Salto’, o facto do meu pai ter ido a salto (para França), e quando decidi fotografar a parte prática escolhi Melgaço e Castro Laboreiro como fronteira imaginada desse salto. Foi aí que comecei a contactar com este norte de Portugal, fantástico e começo a perceber que aqui há um conjunto de materiais de exploração máxima, que são muito importantes de tratar”, considera João Gigante, que assume ser apenas um veículo para que a comunidade e o mundo se reconheçam e valorizem.

“Aquilo que fazemos é parte da vida delas, não é retirar para levar para outro sítio. Uma das coisas que o festival traz e que é fundamental é que não vem só trazer coisas, também deixa. Os filmes feitos cá, os projectos fotográficos. De repente, este território tem um conjunto de objetos fílmicos, filmes e fotografias que vão cada vez mais enchendo o arquivo”.

Indica que o seu trabalho não é feito para olhar para trás, mas registar o presente. Talvez daqui a 50 anos, quando as raras, mas caprichadas edições em livro das suas fotografias sejam um documento incontornável da história de Melgaço, quando alguém se dedicar a estudar os esperançosos anos 20 do século 21.

“O trabalho que eu faço não tenta só trabalhar o conceito da memoria e da tradição. Interessa-me a contemporaneidade, como é que as pessoas vivem atualmente. O projeto propõe saber quem somos os que aqui estamos, e não quem éramos”, sintetiza.

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