Onde ficava o Paço de Rouças e a primitiva capela de Santo André (S. Paio)?


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A freguesia de São Paio existe desde tempos imemoriais e é uma das mais antigas do atual concelho de Melgaço, sendo mais antiga que a nação portuguesa. Em tempos muito antigos, fazia parte da terra de Valadares e integrava uma freguesia chamada de “São Paio de Paderne”. Contudo, D. Afonso Henriques, em 1141, ao constituir o Couto de Pader­ne, desmembrou o antigo território.

A mais antiga referência a São Paio data de 1043. Nesse ano, a 17 de Março, um tal abade Aloito e os seus irmãos doam ao mosteiro de Celanova muitos bens e propriedades, incluindo “in ripa Minei ubi dicent Prato [Prado], sic alio monasterio de Sancto Pelagio [São Paio]”.

Entre os lugares da freguesia, encontra-se o Paço, um lugar assim designado há muitos séculos por ali se ter en­contrado, em tempos antigos, o chamado Paço de Rouças, casa senhorial que já existia no século XVI. Não estranhe o leitor o nome alusivo à freguesia vizinha já que os senhores do Paço tinham o padroado de Rouças, ou seja, tinham o poder de nomear o pároco da igreja de Santa Marinha, entre outras regalias.

De facto, o topónimo refere-se, segundo LEAL, A. (1874), ao antigo Paço de Rouças, casarão dos antigos fidal­gos da terra, que ainda existia neste lugar, na segunda metade do século XIX. Na dita obra, pode ler-se, que “Esta paróquia [de Rouças] foi primeiramente padroado da antiga e nobre família dos senhores do Paço de Rouças. (…) Ainda se vêm as ruínas de uma antiquíssima casa chamada o Paço, solida­mente construída, e, em parte, ainda habitada.” O autor situa este lugar na freguesia de Rouças o que não corresponde à verdade já que a chamada Casa do Paço de Rouças ficava na vizinha freguesia de São Paio, como demonstraremos mais à frente com recurso a fontes documentais.

Se corrermos as páginas do célebre livro “O Minho Pi­ttoresco”, o autor confirma-nos que, ainda no último quarto do século XIX, que: “Roussas era padroado da antiga casa do Paço de Roussas e no lugar — chamado do Paço — se veem ainda as ruínas do antiquíssimo edifício, em parte ain­da hoje habitado. Este padroado passou depois para Manuel Pereira (o mil-homens) de Monção e o solar para os Cas­tros de Melgaço, e mais tarde para os arcebispos de Braga” (VIEIRA, 1886).

Contudo, antes de pertencer à família Castro de Melgaço, o Paço de Rouças pertencia a uma família Besteiros, “gente valente e destemida, que se fazia respeitar por aquelas redon­dezas” (OLIVEIRA, 1903). Na Corografia do Padre Carva­lho da Costa, publicada em 1712, este conta-nos que o tal palacete “foi dos senhores do Paço de Roussas, do apelido de Besteiros, família tão antiga, como nobre, a quem o tem­po e pobreza tem atenuado de modo, que poucos lavradores o tomam hoje” (CARVALHO, 1712). Tais informações são confirmadas por OLIVEIRA, G. (1903) que escreve que “Os Senhores do Paço de Roussas, de apelido Besteiros — de antiga família nobre, foram atingidos pela pobreza. As suas armas eram em campo azul, uma torre fumada em penhas azuis, e três bestas de ouro, uma por cima e as outras aos la­dos.” Tratava-se de “uma antiquíssima casa (…), solidamente construída…” (LEAL, 1874)

A passagem do Paço de Rouças para a família Castro ter-se à concretizado algures na segunda metade do século XVI. Dá-se pelo casamento de uma tal Francisca Rodrigues Besteiro, filha de Cristovão Rodrigues Besteiro e de sua mu­lher Constança Gomes, com um tal Belchior Castro, a quem – segundo justificação de nobreza feita em 26 de Novembro de 1601 – seu parente Pero de Castro deixou os cargos de Capitão-mor, sargento-mor e alcaide-mor de Melgaço, quan­do se ausentou para a jornada de Alcácer-Quibir (MONTEI­RO, 1987), e por lá morreu, facto ao qual nos referimos mais à frente.

Há cerca de meio século, num artigo na “Voz de Melga­ço”, na sua edição 1 de Setembro de 1971, sem autor referi­do, menciona-se que “ainda hoje se podem ver ruínas daque­le solar”. Para demonstrarmos inequivocamente a localização do Paço de Rouças naquele lugar da freguesia de São Paio, podemos socorrer-nos da leitura de uma escritura lavrada em 18 de Outubro de 1718 no lugar do Telheiro, Rouças, e nas casas de António Durães, onde foi o tabelião Baltasar Soares de Castro e Araújo, de Cortinhas, Prado, como procurador de António Pais Rebelo Soares de Castro e mulher Grimanesa Soares de Castro, moradores no lugar de Paços, na freguesia monsanense de Lara, vende àquele António Durães e mulher Maria Dias, o Telheiro, o Campo da Ponte do Rio, sito na freguesia de S. Paio por cento e vinte mil réis “o qual campo herdaram os seus constituintes por falecimento de seus pais e sogros Gregório de Castro Araújo e sua mulher Magdale­na de Castro, moradores que foram no Paço de Rouças, da freguesia de São Paio…”

O que sabemos mais acerca dos senhores do Paço de Rouças?

Os senhores do Paço de Rouças mais antigos que se conhecem através da documentação histórica são Cristóvão Roiz Besteiro e mulher D. Constança Gomes Podré e que ali viveram ainda no século XVI.

A filha destes, D. Páscoa Rodrigues Podré, casou com Belchior de Castro Azevedo, filho de António de Castro Aze­vedo Silva Coutinho e de Maria Soares, moradores na Casa e Quinta do Fecho (Rouças), e é aquele melgacense de quem se disse numa justificação de nobreza feita no tribunal de Melgaço em 1601: “…que indo desta terra Pero de Castro era o alcayde moor desta villa pera affrjqua [África] na jornada de EI Rei dom sebastião deixou ho carrego de capitão moor e sargento moor e allcaj darias moor a belchior de castro tio do sobplycante lopo de castro o quall serbio os ditos carre­gos athe a Ora de sua morte athe entregar esta villa a sua magestade por mandado do duque noso Snr por ser o dito belchior de castro seu parente primos segundos…”. Belchior e a esposa moraram no Paço de Roucas.

Entre outros filhos, tiveram Gregório de Castro. Este tam­bém foi capitão e capitão-mor das ordenanças das vilas de Melgaço e Castro Laboreiro e seus termos. Como filho único, herdou a casa do Paço de Rouças de seus pais e tendo casado com D. Trujiana Gil de Araújo, padroeiros dos benefícios de Ribaterme e Santa Cristina de Baleixe, na Galiza, ainda viviam ambos em 1645. (ESTEVES, 1989) No fim desse ano, no dia 28 de Dezembro, em Rouças e no casal do cura Bel­chior de Castro, o prior do convento de Paderne, D. Simão da Paixão arrendou a Domingos de Araújo, de Paços, “os dizimos e premissas da igreja de santa Maria de Paços anexa in perpetuum ao dito seu mosteiro que são de pão, vinho, linho, pescado, castanhas e todos os mais dizimos e abenças pertencentes a dita sua igreja” por dois anos e por setenta mil réis cada ano. Ora como testemunhas do ato serviram aquele cura de Rouças e o Gregório de Castro e mulher Trujiana Gil de Araújo, e que aparecem referidos como moradores no Paço de Rouças. Estes tiveram pelo menos uma filha chama­da Ana de Castro, que foi moradora em Rouças.

A última referência aos senhores do Paço de Rouças data de 1718 e refere-se a um tal Gregório de Castro Araújo e sua mulher Magdalena de Castro como moradores no mesmo, tal como se faz referência em documento atrás.

Aos senhores do Paço de Rouças se deve a construção de uma primitiva capela de Santo André, em São Paio. Não nos referimos à atual capela, mas sim a uma outra e ante­rior ermida que foi construída não no sítio onde a podemos ver atualmente, mas sim no lugar do Paço. Tal informação fomos encontrá-la num documento redigido em 4 de Agosto de 1687 e outros que à frente apresentamos. Na dita escri­tura, o sacerdote visitador, Doutor Cristovão da Costa Rosa, veio pessoalmente à igreja de São Paio, e escreveu que “Por constar que a capela de Santo André tem fábrica como consta de huma licença que deu o Senhor Dom Frei Bartolomeu dos Mártires, arcebispo que fora de Braga para que se dissesse a missa nela e por huma certidão que deu o Reverendo Gonçalo Pereira, abade desta igreja, tirada do livro dos batizados de uma obrigação que Belchior de Castro e sua mulher fez de uma vinha sita à Cruz de São Gião, à ermida de Santo André, mando que seja notificado o possuidor ou possuidores della para que fabrique a dita capella de todo o necessário o que farão até dia de Páscoa de flores para vindoura, e não satis­fazendo no dito tempo, o Reverendo pároco proceda contra elles até de participantes…” Assim, tendo em conta que Dom Frei Bartolomeu dos Mártires foi arcebispo de Braga desde 1559 a 1580 e que neste tempo também terá vivido Belchior de Castro no Paço de Rouças, podemos assim situar a ori­gem da primeira e primitiva capela de Santo André, no lugar do Paço, ainda na segunda metade do século XVI, naquela janela temporal.

Por fim, um documento redigido em 1719, atesta-nos que a capela antiga ainda existia nessa época e ficava no lugar do Paço. É neste lugar que a situa o Doutor Manuel Pinheiro Ra­mos, sacerdote visitador quando escreve, no seu relatório de 29 de Agosto desse ano: “Consta-me que a capela de Santo André sita no lugar do Passo está indecente…”

Não restam dúvidas da localização da primeira capela de Santo André na freguesia de São Paio. A capela atual foi construída entre 1745 e 1746 por iniciativa do padre de São Paio, Domingo Gomes, mas acerca da História desta capela, vamo-nos referir com mais pormenor num próximo artigo…

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