Melgacenses por um mundo melhor: Vítor Teixeira em missão humanitária no rescaldo do sismo da Turquia

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“O que mais me marcou foi ver aquelas crianças. Custa-me porque sou pai, e custa-me a imagem de ver como estavam aqueles dois irmãos. Não se consegue apagar”


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“Ao sobrevoar Hatay, via-se apenas destruição. Vão ser precisos meses de trabalho”

A prontidão de militares, autoridades, bombeiros ou outros operacionais mede-se quando expostos a momentos de decisão assim: Vítor Teixeira, natural de Monção e a viver em Roussas, Melgaço, Bombeiro profissional de 2ª Classe nos Bombeiros de Monção e elemento da equipa de busca e salvamento SUBZONE, sediada em Monção, recebeu um género de chamada de disponibilidade para a missão a cumprir e dois dias depois estava de partida para a Turquia.

A missão humanitária em questão não era segredo, e muito menos simples. Dias antes, a 6 de Fevereiro, um sismo de magnitude 7,8 na escala de Richter atingira o sudeste da Turquia e o norte da Síria. A equipa especializada em busca e salvamento de Monção não ficou indiferente ao acontecimento que abalou o país euro-asiático e na quarta-feira (dia 8 de Fevereiro), Gonçalo Oliveira, coordenador da SUBZONE, convocava os ‘seus’ homens a participar da operação de buscas que decorria na zona afectada pelo sismo.

Na sexta-feira (dia 10), de madrugada, nove elementos da equipa partiam de Monção em direcção ao aeroporto do Porto e daí para Adana (Turquia). Aí chegados, levantaram novamente voo (de helicóptero) até Hatay, a cidade mais afectada pelo sismo e posteriores réplicas, com mais de um milhão e meio de habitantes.

Quando o helicóptero aterrou nos destroços de Hatay, começavam sete dias de intenso trabalho dos operacionais da SUBZONE, divididos em dois grupos e integrados em outras equipas com pergaminhos neste tipo de missões. O sub-grupo que Vítor Teixeira integrou partilhou a missão com a Associação Portuguesa de Busca e Salvamento (APBS).

Numa quarta feira o coordenador Gonçalo Oliveira falou no grupo, um género de chamada de disponibilidade e logo na quinta já ttinhmaos tudo para ir para a Turquia. Não houve tempo para adaptações: Mal chegados à Base Militar partiram para os escombros.

“A nossa primeira saída foi para um edifício sem grande segurança. Identificamos cadáveres, as famílias estavam lá todas, mas não tínhamos segurança (para as tirar). Estavam suportadas por paredes e se se mexesse em algo podia colapsar. Só o facto de as máquinas estarem a trabalhar ao longe faziam cair cascalho de cima”, conta Vítor Teixeira.

A APBS tinha cães de busca (K-9) e os binómios da equipa coordenada por Pedro Batista, com os elementos da SUBZONE, viriam a ser fundamentais em muitos momentos desta missão. “Fomos uma família, durante aqueles sete dias”.

“Não havia hora para sair nem para chegar. Muitas vezes chegávamos, comíamos do que havia, grão-de-bico, feijão, e vinha o tradutor dizer que havia outra missão, num sítio onde se ouvia pessoas a falar ou a gritar. Eram as pessoas a chamar as equipas de resgate para tê-las ali presentes para procurar. Passamos muita privação de sono, porque as buscas decorriam de dia e de noite, com máquinas”, conta Vítor Teixeira.

Só a luz não faltou, permitindo o trabalho ininterrupto das equipas de busca. A água, além da essencial para o consumo humano, era distribuída pelos bombeiros que enchiam os depósitos das casas-de-banho portáteis, para que as condições sanitárias não fossem ainda piores.

“Estivemos sete dias sem tomar banho. E trabalhávamos com máquinas pesadas. A única higiene que fazíamos era com toalhitas higiénicas”, recorda Vítor, que aprendeu a relativizar a sua condição, perante o que via e as vidas que se perderam debaixo daquele resto de cidade.

“O que mais me marcou foi ver aquelas crianças” – conta ainda o operacional da SUBZONE – “Custa-me porque sou pai, e custa-me a imagem de ver como estavam aqueles dois irmãos. Não se consegue apagar. Teriam 7 ou 8 anos. A menina deve ter sentido o sismo, mandou-se para cima do irmão, abraçou-o. Conforme ficaram, morreram, com ela a protegê-lo”.

À volta, o ar que se respirava deixava adivinhar muitos outros cenários com o mesmo fim. “O cheiro a morte estava sempre presente, em todo o lado, não dava para saber se era aqui ou ali”. E assim ficou até ao final da missão. Quantas despedidas, quantos lutos, qualquer que fosse a religião dos enlutados, ficaram por fazer?

“No fim dos sete dias tínhamos de vir embora, mas já queriam que as equipas internacionais fossem embora porque estavam a aparecer muitas doenças, como a sarna, malária… E queriam fazer a limpeza. Muitos cadáveres irão naqueles destroços, nos camiões, e isso custa muito pensar, mas a saúde publica também é importante”, diz Vítor Teixeira.

um dia um engenheiro que nos levou até ao local, tentamos de todas as formas entrar no edifício. Estava tombado, a única hipótese era entrar por uma caixa de elevador, mas não houve forma de entrar, e ele próprio dizia: Agradeço-vos imenso por tudo o que fizeram, vejo que tentaram e não é possível, embora me custe porque tenho ali a minha família, mas não há nada a fazer. E nem queria que as máquinas trabalhassem no edifício”, recorda ainda.

O que ficou da cidade de 1,5 milhões de habitantes? Vítor Teixeira diz que, de todos aqueles destroços em que as equipas se moviam, “só havia um edifício em pé, creio que era um hotel, porque era construído em ferro. Todos os outros, até os que estavam a ser construídos, vão ter de ser reconstruídos. Até às estradas. Não havia estradas transitáveis entre Adana e Hatay, por isso tivemos de ir de helicóptero, estavam totalmente danificadas”.

“Ao sobrevoar Hatay, via-se apenas destruição, não se distinguia nada. Vão ser precisos meses de trabalho de máquinas para limpar tudo, e anos para reconstruir a cidade. Nenhum país está preparado para este tipo de sismos. Quem vê na televisão, não sabe o que está lá. Os escombros, os gritos das pessoas…”.

Na hora da despedida, mereceram ovação. “Quando viemos embora fomos muito ovacionados pelo povo turco, queriam tirar muitas fotos connosco. É um povo muito bom. Podiam não ter nada, mas davam tudo o que podiam”, diz Vítor.

O município de Monção reconheceu o mérito da SUBZONE e de cada um dos seus elementos, inclusive Vítor Teixeira, o único daquele grupo que vive em Melgaço. “É sempre gratificante saber que fui para lá fazer alguma coisa, e pela humanidade que a missão encerra”, diz-nos. E que mesmo depois de voltar, quando as notícias traziam novidades da Turquia, manifestavam entre si a vontade de voltar.

Que marcas ficam de uma missão assim? “A imagem das crianças foi a que me marcou mais. Ter de pegar nos corpos foi difícil. Mas também não a quero apagar”, conclui Vítor Teixeira.

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